Por Yuri Lorscheider - graduando em História pela UFSC
O mês de Setembro tem uma importância
histórica para mim, considero como o mês da memória chilena. Era 4 de setembro
de 1970.
Reproduzindo as palavras de Carlos
Altamirano, advogado socialista que foi Secretário Geral do Partido Socialista
Chileno:
“O dia 4 de setembro chegava ao fim. O povo encontrava-se na alameda
Bernardo O'Higgins, artéria principal de Santiago, comemorando uma vitória que
fora adiada por longas décadas. Allende era virtualmente o presidente do Chile,
ainda que o governo Frei atrasasse o reconhecimento oficial dos eleitores.
Trabalhadores, jovens estudantes, mulheres dos subúrbios e camponeses da
periferia deixavam explodir sobre a larga avenida o júbilo do movimento popular
triunfante. A burguesia estava aterrorizada: intoxicada pela sua própria
propaganda, refugiara-se em suas mansões, à espera do assalto das turbas
vencedoras. A culpa, acumulada durante um século e meio de dominação e
exploração, obscurecia e silenciava os bairros elegantes. Aquela noite foi de
grande alegria. O povo cantou e dançou
até de madrugada. Nem um só vidro foi quebrado em Santiago. Nem uma só bofetada
castigou a arrogância do inimigo derrotado. Os trabalhadores atingiam o seu
objetivo com uma incrível demonstração de generosidade e maturidade cívica.
[...]
Quando setembro foi do povo, as autoridades policiais não registraram
nenhuma desordem.. Quando foi da burguesia, terminou enegrecido pela morte de
quase 40 mil pessoas” (ALTAMIRANO, Carlos. Dialética de uma derrota (1970-1973). Editora
Brasiliense, São Paulo, 1979. p.p 7).
A vitória chilena em 1970 foi o resultado
de mais de 50 anos de lutas da esquerda nacional. Não esqueçamos que a classe
trabalhadora chilena era uma das melhores organizadas, o Partido Comunista
sempre contou com uma taxa interessante de adesão dos trabalhadores. É
importante ressaltar que a vitória de Allende não contou somente com a
organização da esquerda. Agustín Cueva, importante
teórico equatoriano, aponta em seus estudos que um fator importante para a
vitória popular nas eleições de 1970 foi o racha político da classe dominante
entre o Partido Nacional (fusão do Partido Liberal e do Partido Conservador – que
mantinham suas raízes no século XIX) e a Democracia Cristã. O Partido Nacional
se caracterizava pelas posturas conservadoras, tinham entre seus membros a
oligarquia fundiária, alguns financistas e a burguesia associada ao capitalismo
monopólico. E este é um fator chave: a burguesia fragmenta-se (momentaneamente)
enquanto frentes de esquerda uniram-se para as eleições.
Foi neste 4 de Setembro de 1970 que
Salvador Allende era eleito pelo povo do Chile. O primeiro e único marxista
eleito pelo sistema democrático-burguês como presidente. Um homem do povo, um
médico que lutou pelo seu povo, fora eleito como presidente pelo seu povo e
lutou pela soberania nacional diante a externa força do imperialismo que
almejava extrair mais sua riqueza nacional, o cobre - principal produto
exportador do Chile - e retirar mais
lucros do país. Aumentar o desenvolvimento do subdesenvolvimento, como diz
Gunder Frank.
Um homem que não teve medo de enfrentar
as forças externas e nacionalizar seu principal produto exportador. Um homem
que pelo seus ideais foi morto na residência que ocupava pelo direito do voto,
o Palácio de La Moneda. Um homem que não almejava o sangue de seu povo. Allende
foi morto pelo Imperialismo. Allende foi morto por almejar uma soberania
nacional. Allende foi morto por querer o melhor para o povo do Chile, não o
melhor segundo os interesses externos. Allende almejava um Chile pacífico e sem
exploração.
Isabel Allende em sua magnífica obra “A
casa dos espíritos” expôs a vitória de 4 de Setembro da seguinte maneira:
“Dos povoados da periferia e dos bairros operários, entretanto, saíram
para a rua famílias inteiras, pais, filhos, avós, com suas roupas de domingo,
caminhando alegremente em direção ao Centro. Levavam rádios portáteis para
ouvir os últimos resultados. No Bairro Alto, alguns estudantes, inflamados pelo
idealismo, fizeram troça com seus pais, reunidos diante da televisão com uma
expressão fúnebre, e foram também para a rua. Dos cinturões industriais,
chegaram trabalhadores em colunas ordenadas, punhos erguidos, cantando os
versos da campanha. Reuniram-se todos no Centro, gritando, a uma só voz, que o povo unido jamais será vencido.
[destaque meu] Agitaram seus lenços brancos e esperaram. À meia noite, soube-se
que a esquerda vencera. Num abrir e fechar de olhos, os grupos dispersos
engrossaram, incharam, estenderam-se, e as ruas encheram-se de gente eufórica,
que pulava, gritava, abraçava-se e ria. Acenderam as tochas em meio ao alarido
de vozes, e o baile de rua transformou-se numa alegre e disciplinada passeata
que começou a avançar até as belas avenidas da burguesia. E, então, viu-se o
espetáculo inédito da gente do povo - homens com suas rústicas alpargatas,
mulheres com os filhos nos braços, estudantes em mangas de camisa - percorrendo
tranquilamente a zona reservada e preciosa onde pouquíssimas vezes se tinham
aventurado e onde eram estranhos. [...]
A excitada multidão, contudo, não forçou nenhuma porta nem pisoteou seus
impecáveis jardins. Passou alegremente sem encostar nos luxuosos veículos estacionados
a rua, deu voltas pelas praças e parques que nunca havia pisado, parou,
maravilhada, diante das vitrinas do comércio, que brilhavam como no Natal e
ofereciam objetos cujo sequer poderiam imaginar, e seguiu sua rota
pacificamente” (ALLENDE, Isabel. A
Casa dos Espíritos. Rio de Janeiro, Bertand Brasil. p.p. 353-354).
Infelizmente na história é assim. Os
oprimidos nunca devem almejar mudar a estrutura social burguesa. Principalmente
os que ocupam posição no sul global em condições de Dependência.
La historia es nuestra, Salvador! La
historia es nuestra y la hacen los pueblos.
Viva Chile! Viva La Unidad Popular! Viva
Allende!
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