A fórmula para o caos? Chile não apenas por 30 pesos



Foto Marina Petes - Santiago (2019)


Por Yuri Lorscheider – graduando em História pela UFSC.


O atual cenário político presente no continente americano merece ser destaque maior do que há hoje nos grandes veículos de comunicação. Presenciou-se nas últimas semanas o povo nas ruas gritando por suas reivindicações em diversos países que constituem a América do Sul. 

Saíram às ruas o povo no Peru em apoio ao presidente Vizcarra, que vivenciava uma crise política mediante forças opositoras fujimoristas (ler mais em https://revistaopera.com.br/2019/10/01/peru-a-frente-entre-a-regra-e-a-excecao/); o Equador e os chamados “povos originários” protestaram violentamente contra “El Pacotazo” que Lenin Moreno, respaldado pelo FMI, almeja impor ao seu país. Para Atílio Boron, importante sociólogo argentino, o levante popular foi derrotado quando CONAIE e Moreno entraram em comum acordo no dia 14 de Outubro. Um Outubro que foi Fevereiro (https://pcb.org.br/portal2/24145/um-outubro-que-foi-fevereiro/); a oposição na Bolívia levantou-se diante o resultado vitorioso de Evo Morales nas eleições presidenciais indo para seu quarto mandato; O Chile, país exemplo a seguir segundo o Chicago Boy Paulo Guedes, vive desde a última semana um cenário caótico contrapondo a imagem estável e “moderna” vendida por Sebástian Piñera.

A onda de protestos no Chile iniciou-se com o movimento intitulado Evasión Masiva- um catracaço promovido pelos estudantes secundaristas contra o aumento de 30 pesos na passagem de metrô- e serviu de gatilho para mais gente sair às ruas exclamando por melhorias sociais. A desigualdade social tem aumentado no país que serviu de bastião das políticas neoliberais impostas na América desde o período das Ditaduras civis-militares em nosso continente. Mesmo o governo dito de esquerda de Bachelet não tomou as medidas necessárias para melhorar as condições sociais de seu país.

Vale destacar aqui que há setores da esquerda brasileira equiparando o cenário atual chileno com as jornadas de Junho de 2013. Nada mais equivocado, não compactuo com essa posição. A situação política chilena atual é fruto de décadas de políticas neoliberais.

As exigências por parte do povo não cessam somente nos 30 pesos da passagem, aumento esse que não foi aprovado na Câmara dos Deputados. Ao alongar a vista ao passado, percebe-se que as medidas privatizantes dos serviços públicos, oriundos da Ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), são as maiores reivindicações populares por melhorias e mudanças. Inclusive é válido destacar que a família Piñera desde a década de 1970 está envolvida nas reformas socioeconômicas no país. O Chicago Boy José Piñera, irmão mais velho do atual presidente Sebastian Piñera, foi ministro do Trabalho e Previdência Social e o responsável por grandes reformas de cunho neoliberal. O Chile tem um dos maiores índices de suicídio na última década entre a camada mais idosa da população, resultado de outra herança da Ditadura, o sistema privado de previdência - modelo de capitalização individual que Paulo Guedes almeja seguir criado por José Piñera-. A classe trabalhadora, que viu seus direitos serem estilhaçados durante o regime de Pinochet, vive hoje uma situação calamitosa; jornadas de trabalho extenuantes, os sindicatos praticamente não possuem um poder de negociação, aqueles que possuem são estritamente ligados aos interesses do patronato, não dos trabalhadores.

Aqui no Brasil, mesmo que muitas vezes de forma ineficaz (não planejo me estender no debate sobre o SUS pois não é a intenção), sistemas de serviços públicos funcionam. Tem-se ainda uma saúde pública, uma educação pública. A medida que o governo Bolsonaro avança, seu maior desejo é ceifar os poucos serviços que ainda resta para a população que não tem condições de ter acesso.

O panorama chileno é caótico. “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso que está disposto a utilizar a violência sem nenhum limite” pronunciou  Sebastian Piñera. (ler em La Jornada https://www.jornada.com.mx/2019/10/21/mundo/030n1mun?fbclid=IwAR1wtgr_PzpJVAcuDajzNJIr70S_YczLJSkH2onLyVzVloVBQNp08pr_H00#.Xa2vhjXj_aw.facebook) Na verdade seu pronunciamento caracterizou as próprias ações do Estado contra o povo que se manifesta nas ruas das principais cidades do país. O som das panelas batendo ecoam pelo território. A insurgência popular alastrou-se pelo país como um rastilho de pólvora. Santiago vive uma onda de saques e violência. Valparaíso, Rancagua, Magallanes e Concepción também fervilham. Estado de Emergência foi decretado por parte do governo havendo também toque de recolher, o que deixou mais irada a população que ocupam as ruas. Não se via um cenário semelhante desde Pinochet. Os conflitos intensificaram-se entre Carabineros (policiais) e Forças Armadas contra a população, o número de feridos não para de crescer. Imagens fortes e verídicas circulam na internet de pessoas sofrendo duras violências por parte dos militares, cenas semelhantes às torturas de tempos sombrios de um passado não tão distante chileno. Já são mais de 9 mil militares ocupando as ruas do país de norte a sul. É claro que os grandes veículos de comunicação a todo momento almejam reforçar a ideia de quem está nas ruas manifestando-se são “vândalos” e “marginais”.

“Não confundir a reação do Oprimido com a violência do Opressor” proferiu corretamente Malcom X. Este cenário é retrato de décadas de exploração e dependência. Que este episódio violento da história do Chile não termine em uma mesa de acordos entre as partes assim como presenciamos no Equador. Aqui compartilho a visão de Boron que estabelecer pactos seria uma grande derrota mediante cenário que presenciamos. A coleira das políticas neoliberais tem apertado cada vez mais no pescoço do trabalhador a ponto de sangrar. Vivemos a era de um grande levante popular? Essa resposta não posso afirmar com certeza, mas trago a esperança de que a velha América colonizada queime e que dessas cinzas renasça uma Jovem América, a Pacha Mama, livre da dominação das grandes nações imperialistas.

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Wesley Sousa

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