Neopentecostalismo: o movimento de filisteus do capitalismo




       Por: Arthur D´Elia (graduando em Filosofia pela UERJ) e Yasmin Ribeiro (graduanda em História pela UERJ).
            
                  Neopentecostalismo: o movimento pau-mandado do Diabo

“Tudo o que o economista nacional te arranca de vida e de humanidade, ele te supre em dinheiro e riqueza. E tudo aquilo que tu não podes, pode o teu dinheiro: ele pode comer, beber, ir ao baile, ao teatro, sabe de arte, de erudição, de raridades históricas, de poder político, pode viajar, pode apropriar-se disso tudo para ti; pode comprar tudo isso; ele é a verdadeira capacidade. Mas ele, que é tudo isso, não deseja senão criar-se a si próprio, comprar a si próprio, pois tudo o mais é, sim, seu servo, e se eu tenho o senhor, tenho o servo e não necessito do seu servo. Todas as paixões e toda atividade têm, portanto, de naufragar na cobiça. Ao trabalhador só é permitido ter tanto para que queira viver, e só é permitido querer viver para ter (MARX, 2004, pág. 142).” 
  A citação acima demonstra parte do que Marx entendia como sendo a consequência do dinheiro no contexto em que o capital domina a reprodução da vida humana. Neste trecho, o filósofo alemão evidencia como o “ter” é mais valioso do que o “ser” na sociedade capitalista. O dinheiro é senhor e todos os demais servos. Aquele que possui mais “grana” é o mais bonito, mais sábio, mesmo que em última instância, objetivamente, não seja. O quanto se tem predomina sobre o quanto se é.

 O presente texto visa explicitar e criticar o que está em jogo no movimento neopentecostal. Não se trata aqui de uma crítica de cunho teológico, mas sim a partir da atual conjectura histórica e o caminho que a humanidade precisa seguir. A massa de trabalhadores é constantemente seduzida por suas igrejas. Então é de suma importância revelar a real face do neopentecostalismo. Para tanto, será exposto de forma breve o contexto histórico de seu surgimento e crescimento.

A partir de 1970, tem início a crise estrutural do capital. Essa denominação é de Meszaros. Tal crise é de caráter universal, atingindo assim a totalidade do complexo social. Ela é advinda de uma superprodução. É extensa, permanente, contínua e atinge todos os países. Diferentemente das crises cíclicas, esta não possui antídoto. Significa que pela superprodução ter menor volume, podia conter um tipo de remédio, seja através de guerras, indústria bélica (LESSA). Importante notar:

Em 1981, o orçamento militar nos Estados Unidos chega a 300 bilhões de dólares, (e quem sabe quanto mais além disso, sob vários outros disfarces orçamentários), e isso desafia a compreensão humana. Ao mesmo tempo, os serviços sociais mais elementares são submetidos a duros cortes: uma medida verdadeira do “trabalho civilizador” do capital hoje. Contudo, até mesmo tais somas e cortes estão muito longe de ser suficientes para permitir ao capital seguir imperturbável o seu caminho: uma das provas mais evidentes da crise de dominação (MÉSZÁROS, 2011, pág. 801).

 Esse processo descrito por ser explicado da seguinte maneira: com a extremada produção em relação ao consumo, os preços caem, os lucros diminuem e, para manter o regime de acumulação através da lucratividade, é necessário despedir trabalhadores, cortar direitos ou incentivar privatizações (MÉSZÁROS, 2011). Desse modo, aumenta o desemprego ao mesmo tempo em que se explora mais. O processo de concentração, acumulação nas mãos de um ou poucos, tem ocorrido ao longo da história. Em tempos de sobrecarregamento do sistema, os pequenos são devorados pelos grandes. A sonhada livre concorrência entre vários indivíduos cede lugar ao domínio de um sobre os outros. Para melhor compreensão do que teria motivado a mencionada crise, adiante será explicado de forma breve o colapso do modelo fordista; fator responsável pela permanente doença que o sistema capitalista contraiu a partir da segunda metade do século passado.

 O fordismo se caracteriza pelos seguintes fatores: produção em massa que engendraria o alto consumo, essa produtividade acarretaria em redução dos custos de produção, ampliação do mercado consumidor. O trabalho é rotinizado, disciplinado e repetitivo; existe parcelamento das tarefas (NAIAR, 2004).  Após explicitar as características do fordismo, é possível agora demonstrar brevemente as motivações da crise estrutural.

Devido à superprodução, tem-se uma tendência decrescente da taxa de lucro; esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; desvalorização do dólar; crise do Estado de Bem-Estar Social; intensificação das lutas sociais como greves e manifestações e a crise do petróleo (NAIAR, 2004). Importante destacar também o aumento do preço da força de trabalho após intensificação das lutas sociais, que culminaria na redução dos níveis de produtividade do capital e, consequentemente, queda da taxa de lucro (ANTUNES, 2009). Com relação às medidas encontradas pelo sistema capitalista, Ricardo Antunes destaca o seguinte:

Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores (ANTUNES, pág. 33, 2009).

 As medidas acima podem ser facilmente encontradas nos mais diversos países atualmente. Como foi dito anteriormente, o corte dos direitos sociais, constantes privatizações, aumento da exploração e etc. são efeitos desta crise estrutural do capital. É nesse contexto que entra o toyotismo, um modelo que nasce no Japão pós-45 como solução para os problemas decorrentes da guerra (ANTUNES, 2009).

Esse modelo se caracteriza por: acumulação flexível; desenvolvimento de práticas gerenciais e empregatícias; empresa enxuta; estrutura produtiva mais flexível ao recorrer a uma desconcentração produtiva ou empresas terceirizadas; utilização de computadores no processo produtivo e de serviços; times de trabalho e células de produção. Trata-se de uma maior intensificação das condições de exploração da força de trabalho, mantendo alto índice de produtividade com menor contingente de trabalhadores (ANTUNES, 2009). Em estrita ligação com esses aspectos:

Algumas das repercussões dessas mutações no processo produtivo têm resultados imediatos no mundo do trabalho: desregulamentação enorme dos direitos do trabalho, que são eliminados cotidianamente em quase todas as partes do mundo onde há produção industrial e de serviços; aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha; destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, de parceria (partnership), ou mesmo em um “sindicalismo de empresa (ANTUNES, pág. 55, 2009).


Anteriormente foram mencionados diversos fatores que ganharam espaço com a crise estrutural do capital, como aumento das privatizações, maior necessidade de exploração dos trabalhadores e etc. Vale a pena aqui ressaltar que estão interconectados com esse novo modelo, a saber, o toyotismo. Ricardo Antunes destaca esse fato acertadamente nesta consideração citada.

Apenas para efeitos de entendimento e evitar possíveis dúvidas: capital é valor que se autovaloriza. A propriedade privada é o grande mote pela qual a classe dominante explora, oprimi a classe dominada e acumula capital. O capital se expressa sob a forma de dinheiro. Valor é o trabalho abstrato, ou seja, dispêndio físico deixado no objeto (LESSA). Os apontamentos realizados aqui não serão aprofundados, mas apenas situar o leitor com relação a alguns termos que podem causar dificuldade. Dito isto, pode-se agora explicar o desenvolvimento do neopentecostalismo e suas características.

 Primeiramente, para tratar da questão do neopentecostalismo na América Latina, precisa-se observar e entender a entrada deste seguimento religioso no continente. Os pentencostais formam uma corrente entre os grupos evangélicos juntamente com os protestantes históricos e tendências missionárias trazidas dos EUA (SELMÁN, 2019).

 O pentecostalismo sustenta em sua crença os dons do espírito santo, ou seja, uma entidade que manifestada em corpos dos fiéis os fazem falar em "línguas estranhas", realiza curas, propõe o sucesso pessoal, a prosperidade etc. Considerando a grande presença de grupos neopentecostais na América Latina, importante destacar o seguinte: o crescimento do pentecostalismo se dá, principalmente, graças à capacidade de globalização desde o início do século XIX. Vale ressaltar ainda que entre as décadas de 1950/60, o pentecostalismo inicia seu desenvolvimento a partir de líderes locais, que irão se adaptar às questões sociais e culturais de cada localidade (SELMÁN, 2019).

  Entre o fim da década de 1960 e início de 1970, bebendo de alguns princípios do pentecostalismo, surgirá o neopentecostalismo. Este último além das características do pentecostalismo clássico; produziram inovações teológicas, litúrgicas, aumento e sistematização da ênfase em milagres, figura dos pastores como sujeitos privilegiados (capazes de viabilizar essa bênção). A partir de então surgiram as duas principais articulações teológicas da qual trataremos a seguir: a doutrina da guerra espiritual e a teologia da prosperidade (SELMÁN, 2019).

  A doutrina da guerra espiritual introduz uma extensão e uma variação na lógica do batismo no espírito santo que está nos primórdios do pentecostalismo. Se o pentecostalismo original afirma que o divino está no mundo, a ideia de guerra espiritual passa a incluir a presença do mal. Sendo assim, o demônio deixa de ser uma metáfora para se tornar uma força espiritual corporificada que ameaça a saúde, prosperidade e bem-estar, e isso origina uma concepção de experiência religiosa e liturgia na qual a expulsão de demônios diferentes é central (SELMÁN, 2019). 

  A ideia de permanente luta ou guerra espiritual entre deus e diabo caracteriza a teologia do domínio. Quem não se deixa governar por deus vive à mercê das influências do diabo. É dentro da lógica de sedução diabólica que se encontra o motivo da submissão humana, a qual é responsável por todos os males (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; 2009). Dito isto, pode-se agora explicar o que seria a teologia da prosperidade.

  Uma das características centrais do neopentecostalismo é a operacionalização da fé em deus como mecanismo de obter saúde, dinheiro, sucesso e felicidade (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; 2009). A motivação disto reside no postulado de que se deus pode curar a alma, obviamente que poderia também conceder prosperidade. A bênção é completa e a contrapartida que fecha o negócio, mas aprofunda a oração, é o dízimo. Este tipo de visão não é fruto de uma orquestra, e sim nasce dentro do contexto de crise estrutural e ascensão do neoliberalismo:

A Teologia da Prosperidade, que preconiza a possibilidade de o sujeito poder gozar da realização de todas as suas aspirações materiais está ligada ao que é sustentado pelas sociedades de mercado que estabelecem que o caminho para a felicidade humana passa, necessariamente, pelas trilhas do consumo (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; Pág. 1199, 2009).

  Como foi dito anteriormente, o neopentecostalismo possui estreita conexão com o crescimento do neoliberalismo. Em uma situação histórica marcada pelo agravamento da exploração dos trabalhadores, da miséria e degradação ambiental, ganha corpo um movimento religioso que tenta alocar as esperanças justamente na reprodução do capital. Entretanto, a reflexão em torno disso será feita de forma mais acurada posteriormente.

  Na teologia da prosperidade também surge a ideia de que deus reservaria toda sorte de bênçãos aos que a ele são fiéis.  As promessas do todo poderoso “bom” deus, contidas na bíblia, são destinadas a todas as pessoas. A partir disso, estabelece-se uma espécie de pacto entre fiéis e o “Pai”. O fiel encarrega-se de buscar uma vida moralmente associada às exigências bíblicas e é chamado a acolher um compromisso financeiro por meio de dízimo e ofertas. A possibilidade de ostentar no corpo os últimos produtos postos mediante universo do consumo revela o quanto os fiéis são abençoados por deus (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; 2009).

   Ora, a bênção de deus é proporcional ao quanto se consegue do que é oferecido pelo sistema capitalista em sua desenfreada lógica. A parceria com ele possibilita de forma ilimitada a satisfação das aspirações. Isso sim é um deus maravilhoso, bondoso e perfeito! Isso nada mais é do que um mecanismo de controle, manipulação da consciência. Acerca disso, Lukács considera:

 Hoje, com uma semana de cinco das e um salário adequado, podem já existir as condições indispensáveis para uma vida cheia de sentido. Mas surge um novo problema: aquela manipulação que vai da compra do cigarro ás eleições presidenciais ergue uma barreira no interior dos indivíduos entre a sua existência e uma vida rica de sentido. Com efeito, a manipulação do consumo não consiste, como se pretende oficialmente, no fato de querer informar exaustivamente os consumidores sobre qual é o melhor frigorífico ou a melhor lâmina de barbear; o que está em jogo é a questão do controle da consciência (LUKÁCS, G. pág. 67, 2014).

  Antes de tudo, deve-se enfatizar que o contexto no qual viveu Lukács, era distinto do momento atual. Todavia, suas considerações sobre o controle de mentes valem também para hoje. O filósofo destaca que mesmo numa situação de aparente maior tempo livre, com uma vida que parece ser totalmente rica em termos de sentido, a manipulação impede o trabalhador de transformar seu tempo livre em ócio. O consumo lhe martela sob forma de superabundância de vida com finalidade em si mesma, tal como ocorria nas jornadas de 12 horas de trabalho. Naquela ocasião, a vida era dominada ditatorialmente pelo trabalho (LUKÁCS, 2014).

  Dessa maneira, a vida autenticamente humana dentro do sistema capitalista é impossível. Há uma contradição entre existência e uma vida rica de sentido. É similar ao que Marx considerava a respeito do dinheiro, como foi demonstrado no início do texto. A cruel lógica do ter determinando o ser permanece. O controle ou manipulação da consciência, como será demonstrado mais a frente, está presente na tosca essência devocional das igrejas neopentecostais. Porém, antes disso, outro importante fator que caracteriza o neopentecostalismo será descrito. Trata-se de seu caráter empresarial.

  No Brasil, esse movimento é representado, principalmente, pelas seguintes entidades: igreja universal do reino de deus e igreja internacional da graça de deus. Nestes segmentos, como os demais que levam a gloriosa palavra de deus pelo mundo, os pastores são também gestores. Existe uma característica empresarial. Para efeitos de curiosidade, na década de 1980 a igreja universal do reino de deus se fortaleceu nos meios televisivos e da rádio. Um grande modo de conseguir apoio da população, especialmente conformar a classe trabalhadora brasileira de sua miséria (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; 2009). Ainda sobre o aspecto empresarial:

A delimitação das igrejas neopentecostais, enquanto organizações empresariais, não pode ser precisada somente porque elas importam executivos e fixam processos e tecnologias administrativas para a gestão de seus negócios. Ao se afirmar sua condição empresarial, as igrejas devem ser desveladas por assimilar ou se apropriar dos objetivos, lógicas e dispositivos técnico-administrativos inerentes às organizações privadas (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; pág. 1186; 2009).

  Toda essa estrutura é fundamental para uma adequada recepção do dinheiro. O dinheiro é o mediador na relação com sagrado. É um importante elemento na relação comunicacional, uma forma de aproximação com deus. Existe a possibilidade dele se transformar em uma coisa que não é; ou seja, numa ferramenta de deus. O dinheiro, por estar sendo oferecido a deus, é ressignificado. Afasta tudo aquilo que está inviabilizando a prosperidade, liberando as dádivas de deus. Ao ser sacrificado no altar como símbolo ressignificado, para o fiel ele se torna pressuposto para a prosperidade (ELIAS, D., 2007).

   O que é esse processo todo senão uma forma de possibilitar mais acumulação e reprodução do capital?! Bastante triste observar que Deus, ou melhor, Diabo vestido de deus, necessita do dinheiro para conceder bênção em dobro. Basta que o fiel continue fiel! Não perca a fé! A prosperidade virá! Promessas de um movimento pau-mandado do Diabo. Melhor dizendo, do capital.

  Este fator movimenta o interior, a subjetividade dos indivíduos. Além de tal tratamento dado ao dinheiro, existe de forma interligada a isso a teologia do domínio, já explicada antes. Acerca disso, deve-se notar que o campo do sofrimento humano está associado à ação de forças demoníacas. Portanto, em deus se encontra a possibilidade dos fiéis gozarem a vida com a mais completa manifestação da pura realização e inteireza (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; 2009) . Ainda sobre isso:

Neste sentido, torna-se importante ressaltar que a antropologia desenvolvida pela Teologia do Domínio promove a foraclusão do indivíduo no plano de sua implicação nas causas dos problemas e das mazelas presentes na sociedade. Na origem de qualquer manifestação do mal se busca uma explicação que faz apelo a uma razão a-histórica. As contradições e as injustiças sociais, longe de indicar os modelos de sociedade que nascem das mãos humanas, passam a ser vistas como resultado dos estragos que o diabo é capaz de fazer na vida de quem lhe dá abertura (LUIZ, J.; ANTÕNIO, M.; pág. 1181; 2009).

Antes de analisar citação acima, é preciso descrever como os neopentecostais iludem o sujeito que vive as mazelas causadas pelo sistema capitalista. Sendo assim, é bom entender que: se o fiel não obteve as graças que almeja, é porque ainda não trilhou os caminhos da fé. Em segundo lugar, se ainda prevalece o constante mal-estar subjetivo, o motivo é a falta de fé do fiel (LUIZ, J.; ANTÔNIO, M.; 2009). Ou seja, escondem daquele indivíduo as verdadeiras causas de sua dor interior ou sofrimento. E caso não tenha obtido determinado objetivo, é também pela falta de fé. Como se o ordenamento social atual possibilitasse a fruição de uma vida plenamente humana, livre e sem sofrimento. No fim das contas é mais uma conversa para boi dormir.

  No que tange ao texto exposto, a origem do “mal” possui um caráter a-histórico. Ou seja, absolutamente nenhuma relação com a construção material de uma sociedade. O que levaria ao seguinte: injustiças sociais, a degradação ambiental e entre outros problemas, são todas obras do diabo. Há uma negação aqui de que isso tudo é obra da construção material humana. Com isso, retira-se da sociedade capitalista o papel de protagonista desses eventos. Essa alienação serve para a manutenção do domínio da classe dominante, transferindo toda a culpa para o que chamam de diabo.

  Acerca do papel dos seres humanos na história, cabe afirmar como Marx: os homens fazem a história, ainda que em circunstâncias não escolhidas por eles, mas o fazem. Estejam conscientes disso ou não (MARX, 1978). A alienação anteriormente mencionada significa transformar pessoas, natureza, em coisas estranhas, hostis. Isso acontece na medida em que não se reconhece as mazelas sociais do sistema capitalista como sendo obras da atividade humana e sim de alguma força misteriosa. Esse é o aspecto subjetivo da alienação, caráter de falsa consciência, que tem como base uma realidade material, objetiva, também criada por humanos. A alienação é um obstáculo ao devir humano do ser humano (LESSA, S.; TONET, I.; 2011). Maiores detalhes sobre a alienação não serão expostos neste texto.

  Para evitar possíveis confusões, é importante destacar que não se trata aqui de um critério moral ou ético, mas sim ontológico, visando dizer o que a coisa é concretamente. Contrariando a tese de que seria culpa do diabo. Um ser que perdura somente na cabeça dos homens como mera ideia. Mais a frente haverá um breve retorno para explicar com mais veemência a relação entre a produção material de uma sociedade e suas ideias. Após expor o que significa o neopentecostalismo, suas práticas e etc., pode-se retomar o assunto da manipulação ou controle da consciência.

  Recapitulando: o dinheiro é uma forma de se aproximar de deus. Ao ser sacrificado no altar como símbolo ressignificado, torna-se pressuposto para a prosperidade. O que impede a prosperidade e causa mal-estar? É o diabo. O que Marx descreveu sobre o caráter do dinheiro na sociedade burguesa? Quem o tem, possui mais status, é bonito, possui as mais variadas virtudes. Basta ter para ser. Como ocorre no processo de controle de consciência descrito anteriormente?  Um exemplo pode facilitar: em uma propaganda de perfume, mostra-se um homem que atrai atenção de 2 mulheres. Elas ficam seduzidas pelo cheiro do produto utilizado.

   Aparentemente é uma simples forma de convencimento, mas no fundo é um controle sobre a consciência, de modo a tornar possível a reprodução do capital pelo consumo. Até porque o capital é incontrolável. Posteriormente, a acumulação com lucros obtidos da venda. Nas igrejas neopentecostais, isso ocorre sob a figura de deus. Basta sacrificar o dinheiro no altar que a prosperidade virá. Desse modo, existe uma supervalorização do dinheiro. O bom deus necessita dele para conceder os mais variados desejos. O que movimenta os fiéis nesse processo além da desumanidade do capitalismo? A fé. Recorre-se à fé do indivíduo para que este colabore com o dízimo.

  Depois de demonstrar o caráter manipulatório do neopentecostalismo, pode-se demonstrar de forma um pouco mais acurada a relação entre realidade material e ideias. Ainda que, por não ser objetivo do presente texto, aprofundar no assunto. Isso será fundamental para entender aquilo que já foi afirmado antes: a conexão entre a crise estrutural do capital que culmina em um neoliberalismo e ascensão do neopentecostalismo.

   Não é mera coincidência que nesse contexto de crise surge uma ênfase no papel do diabo e a necessidade de constantes exorcismos. É a já mencionada doutrina da guerra espiritual. O capitalismo em seu atual momento de uma crise permanente teve de recorrer a deus para lhe salvar. Essa é a aposta do neopentecostalismo. O hipotético pai de todos está em uma permanente guerra com o diabo. Dentre as coisas que está nos objetivos do capeta, está o ataque aos infiéis, tirando-lhes a prosperidade. Como se salvar desta terrível situação? Concedendo dinheiro a deus com a fé de que a prosperidade virá.

  Se no plano material existe uma crise permanente do capital, no plano das ideias surge como luta permanente entre deus e diabo. E os que perseveram, são os que têm fé de que o capital ainda pode providenciar uma boa vida sob a graça de deus. Isso a partir daquele dinheirinho sacrificado em forma de dízimo. Caso a prosperidade não venha, mesmo após conceder dinheiro, significa ainda uma falta de fé. Esse mecanismo funciona principalmente em locais de extrema pobreza e carência. Sugam o mínimo dinheiro que o pobre tem prometendo-lhe prosperidade!

  Não se pode esquecer que além dos trabalhadores e pobres, os burgueses e ricos também marcam presença nas igrejas neopentecostais. Porém, é preciso aqui considerar o seguinte: o modo de produção capitalista aliena igualmente ambos, só que os burgueses, isto é, a classe dominante, encontra-se numa situação de conforto. As igrejas neopentencostais nada mais são do que patrocinadoras da sociedade burguesa. Já os trabalhadores, estão em uma situação de desconforto, de miséria, necessidade e extrema desumanidade (MARX, K.; ENGELS, F.; 2011).

  Esclarecendo agora a questão que envolve a base material e ideal de uma sociedade, deve-se notar que: o trabalho é aquilo que funda a humanidade. Ele é o intercâmbio consciente com a natureza que visa satisfazer necessidades físico-biológicas. Os seres humanos se autocriam por meio do trabalho. Sendo assim, o modo de produção e reprodução da vida material é, em última instância, fator determinante da produção ideal, das ideias de um contexto histórico (FONTOURA).

   Apenas três adendos: não serão fornecidos maiores argumentos aqui para tentar comprovar que durante o curso evolutivo um grupo de mamíferos ao ser posto entre as cordas pelas demandas ambientais, teve de saltar de mero ser orgânico para social, desenvolvendo o que se chama de trabalho. Também é importante dizer que esse salto pode ter durado milhares de anos, não foi do dia para a noite. Trata-se de um constante desenvolvimento da matéria orgânica no curso evolutivo. Por último, a relação entre vida material e ideal é extremamente complexa. O presente texto não pretende adentrar nessas questões. Entretanto, como foi dito antes, a base material é um determinante em última instância. A “superestrutura” como religião, direito, arte e etc. possuem relativa autonomia, mas nunca são independentes da base material.

  Disso se segue que a base material atual, o modo de produção e reprodução da vida humana, marcada por um capitalismo em tempos de crise estrutural do capital, tornou possível a existência de algo como o neopentecostalismo. Como as ideias dominantes numa época são as ideias da classe dominante; a maior parte delas serão para legitimar o presente status quo (FONTOURA). Dentre elas, cabe colocar o neopentecostalismo. Os trabalhadores, que são cotidianamente explorados e amargurados pela miséria, precisam se desvencilhar das amarras ideais que transferem a culpa para o diabo ou qualquer tipo de ordem sobrenatural. Sobre isso, um camponês pode ajudar:

Depois de alguns momentos de bom debate com um grupo de camponeses o silêncio caiu sobre nós e nos envolveu a todos. O discurso de um deles foi o mesmo. A tradução exata do discurso do camponês chileno que ouvira naquele fim de tarde. – Muito bem – disse eu a eles. – Eu sei. Vocês não sabem. Mas por que eu sei e vocês não sabem? 
Aceitando o seu discurso, preparei o terreno para minha intervenção. A vivacidade brilhava em todos. De repente a curiosidade se acendeu. A resposta não tardou. 
– O senhor sabe porque é doutor. Nós, não. 
– Exato, eu sou doutor. Vocês não. Mas, por que eu sou doutor e vocês não? 
– Porque foi à escola, tem leitura, tem estudo e nós, não. – E por que fui à escola? 
– Porque seu pai pôde mandar o senhor à escola. O nosso, não. 
– E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola? 
– Porque eram camponeses como nós. 
– E o que é ser camponês? 
– É não ter educação, posses, trabalhar de sol a sol sem direitos, sem esperança de um dia melhor. 
– E por que ao camponês falta tudo isso? 
– Porque Deus quer. 
– E quem é Deus? 
– É o Pai de nós todos. 
– E quem é pai aqui nesta reunião?
Quase todos de mão para cima, disseram que o eram. 
Olhando o grupo todo em silêncio, me fixei num deles e lhe perguntei: – Quantos filhos você tem? 
– Três. 
– Você seria capaz de sacrificar dois deles, submetendo os a sofrimentos para que o terceiro estudasse, 
com vida boa, no Recife? Você seria capaz de amar assim? 
– Não! 
– Se você – disse eu –, homem de carne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça desta, como é 
possível entender que Deus o faça? Será mesmo que Deus é o fazedor dessas coisas? 
Um silêncio diferente, completamente diferente do anterior, um silêncio no qual algo começava a ser 
partejado. Em seguida: 
– Não. Não é Deus o fazedor disso tudo. É o patrão! (FREIRE, P. pág. 24-25, 1992).

  Como bem percebeu o camponês, a culpa é do patrão! Que todos os trabalhadores do mundo se unam para a revolução! É preciso derrubar o capitalismo enquanto ele ainda não destruiu completamente a humanidade e o planeta. É preciso acabar com o capital. É preciso que o Estado seja derrubado e a autoorganização dos trabalhadores sob forma de comuna tome as rédeas daqui em diante.

  Por fim, penúltimas considerações finais: a transformação da natureza e da humanidade em mercadorias precisa cessar. A crise estrutural do capital não só exige maior exploração dos seres humanos, como também da natureza. Como o capital é incontrolável, seu processo de acumulação e reprodução vai ao infinito; restando apenas como solução uma revolução dos trabalhadores contra a burguesia, que tem servido ao capital fielmente.

  O Diabo é o capital. É ele quem propicia mentiras, egoísmo, ganância e miséria. Somente numa sociedade comunista a humanidade terá plena consciência de si como agentes históricos e da natureza. Somente no comunismo a profunda comunhão entre humanos acontecerá, eliminando as forças hostis e estranhas.

Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos. (1 Timóteo 6:9,10)


Bibliografia:





LESSA, S. Crise estrutural e ofensiva socialista. Disponível em: sergiolessa.com.br

LESSA, S.; TONET, I. Introdução à filosofia de Marx. 2° Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

LUKÁCS, G. Conversando com Lukács. São Paulo: Instituto Lukács, 2014.

MARX, K.; ENGELS, K. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2011.

MARX, K. Os pensadores-18 de Brumário. 2° Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

________. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

Bíbla. 1 Timóteo 6:9, 10.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2011.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2° Ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

LUIZ, J.; ANTÔNIO, M. Neopentecostalismo: desamparo e condição masoquista. Fortaleza: Revista Mal-Estar e Subjetividade- Vol.(X-n°4-P. 1173-1202- Dez), 2009.

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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Wesley Sousa

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