Jones Manoel e a mitologia do “Socialismo Idealizado”


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Por Frederico Lambertucci - mestrando em Serviço Social (UFAL)


Engels certa vez escreveu que “um grama de ação vale mais que uma tonelada de teorias”. Alguns hipostasiaram a afirmação até ela virar uma vulgata. A questão se põe nos seguintes termos, Marx e Engels a vida toda combateram os ideólogos, e os combateram em um sentido preciso, a ação humana, a teleologia é a determinação mais genérica e universal de um tipo de ser, o ser social, e por isto, é a objetivação, a conversão dessa teleologia em um pôr, em um ato teleológico que efetiva esse mesmo ser social. Qualquer transformação no âmbito desse ser provém de um ato dessa natureza, isto é, um ato teleológico. Podemos perceber que a frase de Engels tem um sentido muito preciso, a ação humana faz a história, não qualquer agregado de teorias.

Contudo, atenção, Engels nunca desprezou a teoria, desprezou a teoria que pensava ser ela o real e verdadeiro no processo histórico e não a objetividade fora da cabeça do filósofo. E é nesse mesmo sentido que se constitui a crítica de Marx e Engels a filosofia, crítica da filosofia alemã e não negação de todo estatuto filosófico como queria Althusser. Se a teoria de Marx e Engels é, em termos muito genéricos, a reprodução ideal do movimento real de um objeto, de algo que existe fora da cabeça de quem pesquisa, e se essa pesquisa precisa subordinar sua subjetividade a essa realidade, chegamos a conclusão mais genérica que existe uma prioridade ontológico da objetividade face a subjetividade. Ora, como Marx e Engels podem afirmar isso?


A partir da constatação de que o ser social possui uma especificidade frente a todo o ser natural (orgânico e inorgânico). Ele só se reproduz na medida em que 1. Transforma a natureza segundo finalidades. 2. Essas finalidades são produtos da sua própria realidade material. E 3. Como conclusão dessas duas asserções, se para o sucesso, a realização de todo o pôr teleológico, com ênfase no primário, o trabalho, se para esse pôr se realizar e, portanto, para a reprodução do ser social se realizar, em suma, para que essa ser meramente permaneça existindo, é preciso que ele submeta toda a sua subjetividade as legalidades existentes fora de sua cabeça. Isso significa que o complexo do ser social se realiza através de categorias que possuem prioridade ontológica, uma frente a outra e de modo mais geral, que no ser social, a subjetividade como médium sui generis da reprodução social, possui uma subordinação necessária a objetividade social. O que implica diretamente naquilo que colocamos pouco acima, que a teoria só pode ser reprodução ideal do movimento real de um objeto.


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Ótimo. Mas, que isto tem que ver com a afirmação que Jones empresta de Prestes? A seguinte constatação, que a crítica ao “socialismo real”. E note-se a abstração realizada por Prestes e que é tomada de empréstimo por Jones Manoel, os “intelectuais brasileiros” (isso pode englobar desde um FHC até um Chasin), para se ver a completa falta de rigor no trato pelo Jones, já que Prestes não viu tanto da história brasileira – sempre foi realizada entre nós (marxistas brasileiros). Também se nota que a crítica mais global que temos é a de Mészáros em “Para além do capital” que é recente – não a partir de um abstrato projeto ideal para o qual a realidade deveria se desenvolver. Em suma, não somos nós os idealizadores do movimento “Zeitgeist”.


O que Jones Manoel pretende na realidade é, sem realizar a crítica daqueles fundamentos a que aludem Marx e Engels, aqueles mesmos que na crítica do real apreendem as categorias determinativas da sociabilidade burguesa, tendo seu ponto de fundamento no trabalho assalariado, mover a crítica para o campo da falsa dicotomia entre um suposto marxismo concreto que abraça as experiências históricas e um marxismo abstrato, que idealiza a história. Na realidade a coisa se processa de forma bem diferente, estamos frente a um marxismo não apenas sem Marx, mas contra Marx (esse que Jones endossa como o marxismo concreto) e um marxismo que percebe que ao apreender os fundamentos da sociabilidade burguesa, ao compreender as categorias e conexões; Marx também empreende o caminho das necessárias negações.


Em suma, Marx apreende que as mediações de segunda ordem da sociabilidade burguesa precisam desaparecer, o valor, o trabalho assalariado, o Capital, e a forma política, o Estado, evanescem quando essas alienações retornam, não mais como poderes alheios e incontroláveis, como externalidade vazia de sentido humano. Essas alienações são superadas como retorno de controle humano sobre produção, distribuição, consumo e as decisões sobre a vida genérica, essa não mais alienada e tornada uma falsa generidade pela forma política do Estado, mas como gênero ativo e reconhecível através da organização social comunista. Um gênero que não é mais abstratamente determinado pela cisão entre indivíduo e gênero, entre vida real egoísta e vida irreal da comunidade no Estado.


Nesse específico, indicamos a Jones Manoel que ele dê mais atenção ao “Sobre a questão judaica” de Marx. Aparentemente ele achou o texto fácil - como declarou - só podemos constatar que essa facilidade esconde a completa incompreensão do escrito. 
As críticas das experiências são fundamentadas justamente nessas determinações. No fato de que o capital como potência de controle alienado sobre o trabalho continua existindo em toda experiência do “socialismo real”. A crítica está fundada no fato de que para Marx e Engels a revolução política só pode, pela sua natureza, ter um papel negativo de destruição das mediações de segunda ordem da sociabilidade burguesa. E que essa revolução política, ou expressa sua alma social no surgimento de novas mediações, fundadas em uma nova forma de trabalho que joga na objetividade social o peso de como necessidade objetiva alterar toda a totalidade social, todos os complexos sociais que se transformam mais ou menos com rapidez, ou ela se confina a ser uma revolução que por não poder extirpar aqueles fundamentos, o trabalho alienado, o capital e o Estado, ela é obrigada a repor eles de forma alterada.


Esse socialismo real termina por reproduzir as alienações existentes na sociabilidade burguesa, fundadas no trabalho alienado de formas distintas. O controle alienado do trabalho e da política como gênero apartado da vida real e genérica continuam a existir, e o socialismo real não passa de unificar os distintos controles do capital individualizado na posse de distintos capitalistas pela posse de um só controlador, o Estado. 
Essas críticas ao socialismo real, que identificam que não se transformam os fundamentos da sociabilidade, que a revolução morre em sua primeira etapa e estanca, não por falta de esforço ou força ideológicas dos seus autores, mas por condições objetivas – alguém se lembra que eu falava sobre a prioridade ontológica da objetividade? – não propõem e nem pressupõem nenhum projeto a priori idealizado. Elas apenas não sucumbem a fazer da necessidade virtude, não constituem uma capitulação da razão face ao real.


E por isso, nós não precisamos escamotear nossas críticas ao próprio pensamento de Marx quando elas existem, nós não precisamos rebaixar toda crítica e toda asserção acerca do real em pressupostos ideológicos apriorísticos, de que as experiências históricas revolucionárias do proletariado constituíram sociedades socialistas. Não rebaixamos nosso programa ao romantismo. Não idealizamos a história e tentamos enquadrar as categorias para afirmar aqueles juízos dados a priori, não rebaixamos nossa plataforma revolucionária ao nível da propaganda anticomunista, isto é, não precisamos dizer que o “socialismo real” é aquilo que não foi porque as burguesias através de seus intelectuais dizem que não foi.


Dessa forma, não nos curvamos ao revisionismo escondido e pintado de vermelho e que se afirmar como o marxismo mais revolucionário e concreto quando na realidade deturpa e amputa de Marx fundamentos sem os quais suas convicções ideológicas não convenceriam nem uma criança mesmo que se desse em troca um pirulito.


O caminho concreto das revoluções é uma questão que alinha os pressupostos mais universais da constituição das classes sociais na sociabilidade capitalista com suas concreções particulares, o que significa que os particulares são o terreno no qual se articulam as necessidades genéricas com as bandeiras de luta de cada momento histórico – vocês devem conhecer Caio Prado Jr, Ruy Mauro etc, bem, eles fizeram isso. Temos aqui a história concreta que Jones reduz a um conjunto de particularidades amputadas dos fundamentos mais gerais, Marx torna-se quase um empirista – alguém lembra da afirmação que o mesmo fez a respeito de que a convicção internacionalista de Marx era derivada da observação empírica das revoluções intercontinentais europeias? E chega nas raias do ridículo!


Essas condições particulares das revoluções, não tornam menos reais e necessárias objetivamente a negação daqueles fundamentos universais. A política não deixa de ser uma forma de dominação (quem sabe se ao invés de fazer picuinha para atrair seguidores ele tivesse prestado atenção ao que Chasin fala sobre ontonegatividade da política) que deve se extinguir na revolução, o trabalho associado - se lembram da Guerra Civil na França, quando Marx fala que a comuna é a forma encontrada para levar a cabo a emancipação do Estado? – o fenecimento do Estado, a universalização do gênero, agora como gênero reconhecido e não como abstração (logo ele que adora falar em abstração e abstratos não chegou ao reconhecimento do que isso significa), no Estado, não como particularidade universaliza como é a natureza necessária de toda a forma política, como Marx passa falando desde 1843 até 1881.


Em suma, se ao invés do fetiche da revolução política negadora como ponto final, se compreende-se que a emancipação humana significa aparecimento de mediações metabólicas – para emprestas o termo de Mészáros – de outra natureza, com a superação daquelas subordinações a forças alienadas, incluso o capital como controle absoluto de toda relação social, chagamos a conclusão que a revolução comunista não se trata de ter comida no prato de todos os indivíduos do planeta, a revolução comunista se trata de elevar o ser social a um patamar de humanidade e generidade, fundamentado em uma forma de liberdade superior.


Como escreveu Marx no terceiro livro do Capital, sob o reino da necessidade (como necessidade eterna de intercâmbio orgânico entre homem e natureza) ascende o reino da liberdade (como campo de escolha entre alternativas socialmente postas e humanamente postas, isto é, sem a limitação das alienações do Estado, do trabalho alienado, da família monogâmica e do capital). E para que fique claro, essa plataforma; superação do Estado, Trabalho alienado, Capital e família monogâmica, não se trata de nenhum modelo a priori e idealizado, mas dos fundamentos mais universais da sociedade burguesa, que Jones rechaça para se curvar ao “reino” da particularidade.

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Wesley Sousa

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