O paradoxo da “Noite escura”



Introdução à Cosmologia

Edmilson Helton Rios

Em um universo homogêneo, infinito no tempo e no espaço, deveríamos enxergar uma estrela, qualquer que seja a direção para qual olhemos. Então, por que o céu é escuro à noite? Esta questão foi proposta por Heinrich Olbers em 1826, embora o problema já tenha sido indagado desde 1577.

Examinarei várias propostas de solução deste intrigante paradoxo nestes mais de 500 anos de tentativas, revelando assim o significado cosmológico paro o céu ser escuro à noite. A revisão deste paradoxo ao longo da história também nos proporcionará uma ideia da evolução das ideias cosmológicas –desde os gregos – e das novas descobertas nelas embutidos.

Na Antiguidade, observando o céu, os povos Mesopotâmicos e Gregos imaginaram que as estrelas se encontravam fixadas numa gigantesca esfera cristalina, a qual denominaram ESFERA CELESTE. Este modelo, geocêntrico, basicamente consistia em considerar a terra no centro do universo com os planetas e o sol orbitando-a. Limitando todo o sistema solar, haveria uma casca esférica contendo as estrelas. Além desta casca haveria o nada. A ideia de um Universo limitado e centrado na terra foi por muito tempo incontestável.

 

Atualmente, apesar de sabermos que as estrelas estão a distâncias diversas de nós, podemos utilizar o conceito de Esfera Celeste dos antigos Gregos com pequenas modificações, tornando-o numa útil ferramenta matemática para representarmos as estrelas no céu.

 

Nicolaus Copernicus introduziu um novo modelo, heliocêntrico para o Universo. Este modelo põe o sol no centro do Universo (modelo ainda finito e limitado). Neste ponto podemos observar que Copernicus introduziu (provavelmente inconscientemente) um argumento implícito de importância cosmológica: se a terra não esta no centro do Universo, por que qualquer lugar deveria estar no centro do Universo ou por que o Universo deveria ter um centro?

Thomas Digges, matemático e astrônomo, foi uma das primeiras pessoas a sugerir um Universo infinito. Digges descordou dos modelos gregos em que as estrelas estão fixas na abóboda celeste e simplesmente considerava que elas estão espalhadas aleatoriamente pelo espaço infinito. Esta é uma das primeiras descrições sobre o que conhecemos hoje como Paradoxo de Olbers. Digges achava que a maioria das estrelas estavam muito distantes para poderem ser vistas. Durante os séculos XVI e XVII, muitos daqueles que defendiam a ideia de um universo infinito chegaram às mesmas conclusões. Porém, sabemos que, mesmo se as estrelas estiverem muito distantes para serem vistas individualmente, o fluxo coletivo oriundo de todas as estrelas ainda clarearia a escuridão da noite.

A primeira pessoa a perceber isso foi Johannes Kepler, que com sua intuição brilhante notou que a escuridão relativa da noite é de extrema importância cosmológica. Kepler acreditava em um universo finito e limitado, pois para ele, um Universo infinito, com estrelas espalhadas por todo o espaço, seria tão luminoso quanto o sol. Apesar do interessante argumento de Kepler (para aquela época) a Ideia de um Universo limitado e finito era muito incomum entre os astrônomos e até para os mais renomados físicos da época tal como Isaac Newton, por exemplo.

A primeira análise matemática de uma solução foi feita pelo matemático sueco Jean Phillipe Loys de Chesaux em 1744. Uma análise parecida tinha sido feita por Edmund Halley porém seus resultados levaram às mesmas conclusões de Digges. De chesaux construiu uma série de cascas concêntricas de espessura uniforme com o observador no centro. Se a espessura de cada casca é muito menor que o raio então o número de estrelas em qualquer casca é proporcional ao volume, o qual, por sua vez, é proporcional ao quadrado do raio. Porém, a luz recebida no centro oriunda de qualquer estrela é inversamente proporcional ao quadrado do raio. Desta forma nós mostramos que a proporção do céu encoberto por estrelas é a mesma para cada casca.

De Chesaux adicionou cascas até uma distância de 3000 trilhões de anos luz e mostrou que, a esta distância, o céu estaria completamente encoberto por estrelas. Como todo o céu é 180.000 vezes maior que o disco solar, a luminosidade total que chega na terra deveria ser de 180.000 vezes mais intensa que a luz do sol. De Chesaux logo sugeriu que haveria algum meio interestrelar absorvente que atenuaria a luz das estrelas.

Apesar da improvável solução dada por De Chesaux ninguém apareceria com nada melhor por mais de 150 anos. Em 1826 Heinrich Olbers desenvolveu um tratamento similar para o problema (menos matemático, no entanto) e chegou a uma solução similar. Apesar de não apresentar nada muito novo comparado com o que foi feito por Halley e De Chesaux, a forma moderna do paradoxo leva o nome de Olbers, talvez devido a forma mais apropriada com a qual ele tenha enunciou o paradoxo.

Cinco anos depois, em 1831, John Herschel mostrou que em um Universo preenchido por radiação 180.000 vezes mais intenso que o sol, a própria terra evaporaria em poucas horas e obviamente qualquer meio absorvente no espaço interestelar seria rapidamente esquentado, entraria em equilíbrio térmico e difundiria a luz. Edward Fournier d’Albe sugeriu que embora o céu seja coberto de estrelas, a maioria delas são fontes não luminosas, outra ideia bem diferente era a de que as estrelas não estariam espalhadas aleatoriamente pelo espaço mas seriam alinhadas com, de tal forma que estrelas mais distantes se esconderiam atrás daquelas mais próximas. Obviamente eram todas ideias mais com um tom de brincadeira. Como Harrison atenta em seu livro “Darkness at Night”, antes de Herschel o paradoxo era um problema de falta de luz das estrelas. Depois de Herschel o problema era falta de estrelas, onde elas se esconderam, afinal?

Um modelo popular do universo, no final do século XIX, ainda assumindo um Universo homogêneo e infinito era um imenso, porém finito, aglomerado de estrelas (Via Láctea), além do qual haveria um eterno vazio.

Um tratamento mais formal do Paradoxo veio em 1901 quando Lord Kelvin publicou um artigo intitulado: “Sobre Ether e matéria Gravitacional através de um espaço infinito”. Ele mostrou que no modelo que se tinha a galáxia continha um número insuficiente de estrelas para cobrir a escuridão da noite. Ele também mostrou que mesmo se as estrelas estivessem espalhadas em um espaço infinito as estrelas visíveis ainda não cobririam o céu. Ele fez isso se apoiando no seu último trabalho que mostrava que estrelas não podem cintilar indefinidamente (ele deu o incrível passo de pensar em distância das estrelas em termos de tempo de viagem da luz). Ole Roemer já tinha mostrado que a velocidade da luz era finita em 1676, entretanto muitos anos se passaram até que alguém fizesse a conexão entre os fatos. Na verdade, os escritores Mark Twain e Edgar Allan Poe já tinham independentemente escrito (de forma especulativa) que uma resolução para o Paradoxo seria: como a distância das estrelas de fundo é imensamente grande, a sua luz ainda não teve tempo de nos atingir, devido simplesmente à velocidade finita da luz.

Quando olhamos para as estrelas estamos olhando para o passado. Com estimativas modernas, sabe-se que, para que consigamos enxergar uma estrela em cada direção que olharmos, as estrelas deveriam estar cintilando por pelo menos 10¹¹ anos, não obstante o tempo de vida de uma estrela média, tipo o sol, é de 10¹¹. Com isso Kelvin respondeu o paradoxo dizendo simplesmente que não há luz suficiente advinda das estrelas porque ela ainda não nos atingiu. Infelizmente, o artigo de Kelvin não recebeu muita atenção até quando Edward Harrison o redescobre em 1985.

Com o começo do século XX, o desenvolvimento de super telescópios proporcionou muitas informações preciosas sobre o Universo. A idéia de Universo formado apenas por uma galáxia, a Via Láctea, foi trocada por um modelo composto por inúmeras delas e em 1916 a Teoria Geral da Relatividade estava pronta. Em 1922 o físico Russo Alexander Friedmann encontrou um conjunto de soluções para as equações de Eintein que resultavam em um Universo em expansão, ‘confirmado’ pelas observações de Edward Hubble. A ideia de um Universo estático deveria ser abandonada e o paradoxo de Olbers passou a ser relevante na determinação de um modelo para o Universo.

Em 1950 dois modelos conflitantes do Universo foram propostos: O modelo do ‘Big Bang’ proposto por Friedmann e George Lemaitre sugeria um Universo em expansão de idade finita enquanto o modelo do ‘Estado Estacionário’ proposto por Hermann Bondi, Thomas Gold e Fred Hoyle sugeria um Universo em expansão com idade infinita. Ambos modelos baseiavam-se no princípio Cosmológico, o qual foi formalmente proposto em 1933 por Edward Milne.

Em 1957 Hermann Bondi, em seu ensaio intitulado ‘Teorias de Cosmologia’, descreveu ambas teorias e avaliou o tratamento dado por Olbers. Seu tratamento pode ser resumido assim: as quatro considerações de Olbers foram,

1) O Universo é homogênio: assim a distância média entre as estrelas e a luminosidade média das estrelas é constante no espaço;

2) O Universo é imutável no tempo visto em larga escala;

3) Não há um movimento sistemático maior no Universo;

4) Todas as leis da física se aplicam.

Estas considerações conduzem ao paradoxo de Olbers. E, como o céu a noite não é claro, uma(s) destas considerações não é(são) verdadeira(s). Bem, a consideração 1 possui um considerável respaldo observacional e também seria inútil desconsiderar a afirmação 4. A consideração 2 poderia ser descartada visto que o Universo não é imutável, pode-se postular, por exemplo, que as estrelas começaram a brilhar num tempo finito do passado.

Consideração 3 também poderia ser descartada. Se as estrelas distantes estão se distanciando rapidamente de nós, qualquer luz que elas emitirem pode ser desviada para comprimentos de onda fora do espectro visível, devido ao efeito Doppler. Assim as estrelas mais distantes seriam invisíveis para nós.

Como a expansão do universo já havia sido descoberta e, por isso, a consideração 3 é falsa, Bondi argumentou que esta expansão por si só é suficiente para resolver o paradoxo, enquanto que a teoria do Big Bang requeria que as considerações 2 e 3 sejam falsas. Ele também argumentou que em um Universo que se modifica no tempo seria possível que algumas características de nossas leis físicas sejam modificadas (especialmente as constantes naturais – a constante gravitacional, a velocidade da luz, etc.). Assim, para evitar estas complicações Bondi sugeriu que a condição 2 (uniformidade do tempo) fosse mantida desconsiderando a condição 3 (sem expansão) o qual ele explicou utilizando a analogia de um rio fluindo. Todas as moléculas individuais estão se movendo, entretanto, em grande escala, o rio parece ser o mesmo em qualquer intervalo de tempo.

Infelizmente, esta teoria significava um abandono da lei de conservação da matéria. Se o Universo é imutável no tempo, a densidade média do universo precisa também ser constante e, como o Universo parece realmente estar em expansão, matéria precisa ser continuamente criada para manter a densidade média. Bondi afirmou que isso significaria que a taxa média de criação seja equivalente a um átomo de hidrogênio por 1 quarto de volume (isso foi em 1957) para cada 1000 milhões de anos. Isso é uma taxa tão ínfima que não entraria em conflito com a lei de conservação da matéria criada no nosso limite observacional. Edward Harrison calculou a solução de desvio para o vermelho de Bondi e mostrou que ela somente seria verdadeira para um Universo tipo ‘estado estacionário’ e não em um Universo de idade finita tipo ‘Big Bang’.

A solução dramática de Bondi para o Paradoxo – que a escuridão do céu é devido à expansão do Universo – foi destronada quando em 1965 Arno Penzias e Robert Wilson descobriram a radiação cósmica de fundo, dando assim indícios para a teoria do Big Bang. Nosso Universo não é banhado por radiação solar intensa por causa do desvio para o vermelho, mas sim porque as estrelas estão cintilando por mais de 10 bilhões de anos e ainda não houve suficiente luz estrelar emitida para fazer com que o céu à noite fique escuro. A solução de Lord Kelvin é a solução correta, visto que, se em um Universo estático o céu da noite é escuro então em um Universo em expansão o céu seria mais escuro ainda, devido ao desvio para o vermelho.

O inglês Edward Harrison (1919-2007) foi o responsável pela apresentação da solução definitiva do enigma da escuridão do céu noturno. A conclusão final de Harrison, e que sintetiza de forma bastante simples os cálculos de Kelvin, é de que não há energia suficiente no universo para que o céu se apresente excessivamente brilhante.


Wesley Sousa

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