Por Alex Agra Ramos - bacharel em Ciência Política pela UFBA.
Graduando em Direito.
Não retomarei aqui as propostas e linhas de raciocínio dos autores da Teoria Marxista da Dependência. Parto do pressuposto que o leitor que já chegou até esse artigo conhece os elementos da teoria. Por isso, minhas reflexões nesse artigo serão breves. Pretendo aqui criar uma forma de incremento na categoria de superexploração da força de trabalho, por meio de uma proposta de operacionalização. Acredito que a partir desse incremento, podemos ter um quadro mais preciso das condições concretas de sobrevivência dos trabalhadores no capitalismo dependente brasileiro e assim, também produzir análises mais precisas sobre a conjuntura, partindo do pressuposto de que é a base econômica da sociedade fundadora do jurídico-político e, portanto, possui uma relação de dependência ontológica que não pode ser descarta no processo de formulação, tanto do ponto de vista estratégico, quanto do ponto de vista tático, nas organizações comunistas. O leitor poderá ver um excesso de citações de Marx e Ruy Mauro Marini aqui, mas trata-se apenas de uma forma de delimitar o que é original dos autores e o que é a minha proposição, para que não se façam confusões futuras em que minha proposta seja atribuída a qualquer um dos dois autores. Claro, as citações também servem para sustentar a minha hipótese.
Acerca do valor real da força de trabalho
Em
primeiro lugar, pretendo fazer uma reflexão sobre o valor real da força de
trabalho, que, em condições normais, representa o mínimo que um trabalhador
precisa para sobreviver. Marx argumenta:
Vimos que o trabalhador,
durante uma parte do processo de trabalho, produz apenas o valor de sua força de trabalho, isto é, o valor dos meios necessários
à sua subsistência. Produzindo sob condições baseadas na divisão social do
trabalho, ele produz seus meios de subsistência não diretamente, mas na forma
de mercadoria particular, por exemplo, do fio, um valor igual ao valor de seus
meios de subsistência, ou ao dinheiro com o qual ele os compra. A parte de sua jornada de trabalho que ele
precisa para isso pode ser maior ou menor a depender do valor de seus meios de
subsistência diários ou médios ou, que é o mesmo, do tempo médio de
trabalho diário requerido para sua produção. Se o valor de seus meios diários
de subsistência representa em média 6 horas de trabalho objetivado, o
trabalhador tem de trabalhar, em média, 6 horas diárias para produzi-los. Se
ele não trabalhasse para o capitalista, mas para si mesmo, independentemente,
ele continuaria a dedicar, mantendo-se iguais as demais circunstâncias, a mesma
média diária de horas de sua jornada à produção do valor de sua força de
trabalho e, desse modo, à obtenção dos meios de subsistência necessários à sua
manutenção ou reprodução contínua. (MARX, 2013, p. 292, itálico nosso).
Assim,
Marx chega à conclusão do chamado tempo de trabalho necessário. Esse tempo de
trabalho necessário é precisamente o tempo de trabalho necessário para produção
e reprodução do valor real da sua força de trabalho, que, como vimos, são os
meios necessários para sua subsistência. Esse valor pode ser maior ou menor a
depender do valor de seus meios de subsistência. Por meio dessa afirmação de
Marx, entendemos que o salário mínimo é a representação concreta desse tempo de
trabalho necessário. Em um trecho do Manifesto do Partido Comunista, essa
dimensão fica muito clara quando Marx afirma:
O preço médio que se paga pelo trabalho assalariado é o mínimo de salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência necessários para que o operário viva como operário. Por conseguinte, o que o operário recebe com o seu trabalho é o estritamente necessário para a mera conservação e reprodução de sua existência. (Marx, 1998, p.53)
Acerca da taxa de exploração da força de trabalho
O único motivo de avaliarmos o valor real da força de trabalho nesse momento é para uma melhor compreensão da categoria taxa de exploração da força de trabalho, na medida em que essa taxa de exploração da força de trabalho representa em alguma medida o grau de exploração da força de trabalho. Assim, precisamos relembrar que o processo produtivo é constituído pelo trabalho necessário e pelo trabalho excedente. Essa retomada é fundamental para compreendermos a categoria de taxa de exploração da força de trabalho e como ela é importante para sustentar o que pretendo defender, a partir da particularidade latino-americana. Assim, a processo produtivo de uma determinada mercadoria é dada pelo tempo de trabalho necessário para a produção dessa mercadoria, que corresponde ao tempo de trabalho necessário para a produção e reprodução da vida. Por outro lado, o trabalho excedente é a parcela do tempo de trabalho que o capitalista toma para si, é o mais valor em seu sentido mais concreto e expresso de forma quantitativa. Vejamos como Marx trabalha essas duas categorias:
Mas como na parte de sua jornada de trabalho
em que produz o valor diário da força de trabalho, digamos, 3 xelins, o
trabalhador produz apenas um equivalente do valor já pago pelo capitalista – e,
desse modo, apenas repõe, por meio do novo valor criado, o valor do capital
variável adiantado – , essa produção de valor aparece como mera reprodução.
Portanto, denomino “tempo de trabalho necessário” a parte da jornada de
trabalho em que se dá essa reprodução, e “trabalho necessário” o trabalho
despendido durante esse tempo. Ele é necessário ao trabalhador, porquanto é
independente da forma social de seu trabalho, e é necessário ao capital e seu
mundo, porquanto a existência contínua do trabalhador forma sua base.
O segundo período do processo de trabalho, em que o trabalhador trabalha além dos limites do trabalho necessário, custa-lhe, de certo, trabalho, dispêndio de força de trabalho, porém não cria valor algum para o próprio trabalhador. Ele gera mais-valor, que, para o capitalista, tem todo o charme de uma criação a partir do nada. A essa parte da jornada de trabalho denomino tempo de trabalho excedente, e ao trabalho nela despendido denomino mais-trabalho. Do mesmo modo como, para a compreensão do valor em geral, é indispensável entendê-lo como mero coágulo de tempo de trabalho, como simples trabalho objetivado, é igualmente indispensável para a compreensão do mais-valor entende-lo, como mero coágulo de tempo de trabalho excedente, como simples mais-trabalho objetivado. O que diferencia as várias formações econômicas da sociedade, por exemplo, a sociedade da escravatura daquela do trabalho assalariado, é apenas a forma pela qual esse mais-trabalho é extraído do produtor imediato, do trabalhador. (MARX, 2013, p. 292 e 293).
Assim, Marx, ao definir os conceitos de trabalho excedente e trabalho necessário, formula as bases do que ele chama de taxa de exploração. A taxa de exploração consiste em um grau de medida da exploração da força de trabalho. Buscaremos entender agora essa taxa de exploração, porque será ela a base da hipótese que formularemos a partir da realidade da América Latina. É certo que a taxa de mais valor é parte de uma das leis gerais do capitalismo, como é igualmente certo que essas leis gerais, na condição de abstração, a partir do momento que se tornam mais concretas, ou seja, a partir do momento em que se tornam síntese de múltiplas determinações, sofrem alterações em decorrência da realidade concreta analisada, que é, sem dúvidas, também afetada pelas leis gerais. Com isso, quero adiantar que a minha hipótese em nenhum sentido cancela a taxa de exploração da força de trabalho como medida do grau de exploração. Apenas complementa-a a partir da realidade do capitalismo dependente. Mas, seguimos com nossa reflexão, retomando a conclusão de Marx sobre a expressão quantitativa do grau de exploração de força de trabalho, isso é, a taxa de exploração. Segundo o caminho que nos fornece o próprio Marx:
Como, por um lado, o valor do
capital variável é igual ao valor da força de trabalho por ele comprada, e o
valor dessa força de trabalho determina a parte necessária da jornada de
trabalho, enquanto o mais-valor, por outro lado, é determinado pela parte
excedente da jornada de trabalho, concluímos que o mais-valor está para o
capital variável como o mais-trabalho está para o trabalho necessário, ou em
outras palavras, que a taxa de mais valor m/v
= (mais-trabalho)/(trabalho necessário). Ambas as proporções expressão a
mesma relação de modo diferente, uma na forma de trabalho objetivado, outra na
forma de trabalho fluido.
A taxa de mais valor, é, assim, a expressão exata do grau de exploração da força de trabalho pelo capital ou do trabalhador pelo capitalista. (MARX, 2013, p.294)
Dessa
forma, Marx formula um método de cálculo da taxa do mais valor, contrariando as
teses dos economistas vulgares de que a obra de Marx não é operacionalizável,
como se o método dialético, enquanto método de exposição do capital consistisse
apenas no processo de abstração, isto é, como se fosse Marx um idealista, e
como se não existisse um processo de volta para o concreto. Como se universal e
particular não coexistissem em Marx. Refiro-me aqui não só aos economistas
vulgares, mas também a todos os leitores de Marx que buscam reduzir a sua obra
a mero contexto acadêmico. Ao passo que a criação desse método também revela
uma fuga do praticismo abstrato de grande parte da militância vulgar que vê em
Marx apenas sob a ótica militante. Sem saber, esses militantes vulgares retiram
todo o cientificismo da obra de Marx, subordinando a prática à teoria, e não o
contrário. Marx formula teorias operacionalizáveis que orienta a ação do
proletariado e dos revolucionários. Orienta, inclusive, para que os primeiros
tornem-se os segundos. Dito isso, voltamos ao método de cálculo da taxa do mais
valor:
O método de cálculo da taxa de mais valor pode, portanto, ser resumido da seguinte forma: tomamos o valor total do produto e igualamos a zero o capital constante que meramente reaparece nesse produto. A soma de valor restante é o único produto de valor efetivamente criado no processo de produção da mercadoria. Estando dado o mais-valor, temos, então, de deduzi-lo desse produto de valor, a fim de encontrarmos o capital variável. Se, ao contrário, dispomos desse último, temos, então, de encontrar o mais valor. Se ambos estão dados, basta realizar a operação final, isto é, o cálculo da relação do mais-valor com o capital variável: m/v. (MARX, 2013, p. 294 e 295)
Acerca da superexploração da força de trabalho
Como
sabemos, em decorrência da necessidade da burguesia brasileira de fazer a
transferência de valor para países do centro do capitalismo, isto é, para os
países desenvolvidos. Essa necessidade está diretamente ligada ao procedimento
de intercâmbio desigual e ao papel subordinado que cumpre o Brasil, como todos
os países da América Latina, ou sendo mais preciso, como todos os países
dependentes na Divisão Internacional do Trabalho. A necessidade de transferir
esse valor da periferia para o centro capitalista é, a razão explicativa para o
fato do proletariado brasileiro ser superexplorado. Mas o que é de fato a
superexploração? Sabemos, sim, que ela é um mecanismo de compensação dessa
perda de mais valor. Partiremos a da definição que faz Marini não no Dialética da Dependência, mas sim no seu
post-scriptum, Sobre a dialética da
dependência. Em dado momento da obra, ao diferir a superexploração da força
de trabalho, diz Marini o seguinte:
Assinalemos, inicialmente, que o conceito de
superexploração não é idêntico ao de mais valor absoluto, já que inclui também
uma modalidade de produção de mais-valia relativa – a que corresponde ao
aumento da intensidade do trabalho. Por outra parte, a conversão do fundo de
salário em fundo de acumulação de capital não representa rigorosamente uma
forma de produção de mais valor absoluto, posto que afeta simultaneamente os
dois tempos de trabalho no interior da jornada de trabalho, e não somente o
tempo de trabalho excedente, como ocorre com o mais valor absoluto.
Por tudo isso, a superexploração é melhor definida pela maior exploração física do trabalhador, em contraposição à exploração resultante do aumento de sua produtividade, e tende normalmente a se expressar no fato de que a força de trabalho se remunera abaixo de seu valor real. (Traspadini e Stédile, 2005, p.180)
Esse
trecho é fundamental, porque por meio dele desfazemos uma confusão muito comum
em torno da superexploração da força de trabalho: como vimos, ela não é a remuneração abaixo do valor real da
força de trabalho. Esse é meramente um reflexo quantitativo, pelo qual a
superexploração da força de trabalho se expressa. A superexploração consiste em
uma maior exploração da força física do trabalhador, e segundo o próprio Marini
no Dialética da Dependência, ela pode se expressar tanto sob a forma do mais
valor absoluto, quanto sob a forma do mais valor relativo, como vemos no trecho
a seguir, acerca dos procedimentos de compensação da transferência de valor:
O aumento da intensidade do trabalho aparece, nessa perspectiva, como um aumento do mais valor, obtido através de uma maior exploração do trabalhador e não do incremento de sua capacidade produtiva. O mesmo se poderia dizer da prolongação da jornada de trabalho, isto é, do aumento do mais valor absoluto na sua forma clássica, diferentemente do primeiro, trata-se aqui de aumentar a simplesmente o tempo de trabalho excedente, que é aquele que o operário continua produzindo depois de criar um valor equivalente ao dos meios de subsistência. Para seu próprio consumo. Deve-se assinalar, finalmente, um terceiro procedimento, que consiste em reduzir o consumo do operário mais além do seu limite normal, pelo qual o fundo necessário de consumo do operário se converte de fato, dentro de certos limites, em fundo de acumulação de capital, implicando assim, em um modo específico de aumentar o tempo de trabalho excedente. (Traspadini e Stédile, 2005, p.147 e 148).
Em seguida, completa Marini:
Pois bem, os três mecanismos identificados – a intensificação do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho, e a expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho – configuram um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador, e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva. (Traspadini e Stédile, 2005, p.149).
Essa
constatação em si já deveria servir para frustrar as ilusões
desenvolvimentistas, sobretudo, de candidatos que até hoje se vestem com roupas
que parecem cepalinas, mas que estão longe de serem de fato nacional-desenvolvimentistas,
embora as conclusões da Teoria Marxista da Dependência já sirvam por si só para
decretar a morte do nacional-desenvolvimentismo. Assim, o
nacional-desenvolvimentismo existe apenas enquanto retórica política, mas é um
projeto tão impraticável quanto a tal democracia. Sem um processo
revolucionário que promova um rompimento com o mercado mundial e sem uma
revolução que produza ampla colaboração latino-americana, pelas semelhanças
entre suas características produtivas, o único desenvolvimento possível é o
desenvolvimento do subdesenvolvimento. De forma que, sem dúvidas, nossa
economia pode se desenvolver, mas esse desenvolvimento, sem um rompimento com o
mercado capitalista mundial provocado por um processo revolucionário, significa
apenas uma reorganização na Divisão Internacional do Trabalho, em que avançamos
em postos subordinados no mercado mundial, tal como foi o processo
industrializante brasileiro. Mas, para o que nos interessa na hipótese que
pretendemos colocar, precisamos recuperar outra citação de Marini:
Além disso, importa assinalar que, nos três mecanismos considerados, a característica essencial está dada pelo fato de que são negadas ao trabalhador as condições necessárias para repor o desgaste de sua força de trabalho: nos dois primeiros casos, porque lhe é obrigado um dispêndio de força de trabalho superior ao que deveria proporcionar normalmente, provocando assim seu esgotamento prematuro; no último, porque lhe é retirada inclusive a possibilidade de consumo do estritamente indispensável para conservar sua força de trabalho em estado normal. Em termos capitalistas, esses mecanismos (que ademais, podem se apresentar, e normalmente se apresentam, de forma combinada) significam que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a uma superexploração da força do trabalho. (Traspadini e Stédile, 2005, p.149 e 150).
Por que insistimos nesses trechos? Para diferenciar elementos fundamentais: a
superexploração da força de trabalho em si, ou seja, a maior exploração física
do trabalhador, as suas formas de expressão, e o resultado destas, que é o não
pagamento do valor real da força de trabalho. É importante diferenciar esses
elementos porque precisamos entender que o não pagamento do valor real da força
de trabalho, isso é, a remuneração abaixo de seu valor, é resultado da
superexploração da força de trabalho, e não o conceito de superexploração em
si, de forma que a maneira quantitativa que temos de medir a superexploração da
força de trabalho, isto é, comparando o salário mínimo nominal com o
necessário, representa apenas, como dissemos, uma expressão quantitativa da superexploração da força de trabalho.
Sendo a superexploração da força de trabalho o nexo de sobrevivência da burguesia brasileira, faz mais do que sentido a Teoria Marxista da Dependência ser a teoria que norteia o trabalho militante de qualquer um que defenda um processo revolucionário no Brasil. O desconhecimento dessa categoria, mais do que revelar uma ignorância danosa sobre a conjuntura nacional, tem um prejuízo ainda maior do ponto de vista militante: o militante que desconhece a superexploração da força de trabalho desconhece a natureza real da burguesia brasileira, desconhece as condições de (sub) desenvolvimento da economia brasileira e mesmo, desconhece as bases sociais sob as quais se erigem o Estado brasileiro, como já disse em Dispositivo Autocrático de Segurança. Assim, o militante acredita ser possível viável e até mesmo proveitoso apostar as suas fichas no jogo político das regras institucionais, acreditando ser o campo do Estado, ou de maneira mais ignorante, o campo da democracia, o campo de luta dos trabalhadores e das tensões de classe. Não é apenas ignorância de Marx, da concepção de Estado de Marx, da relação ontológica entre sociedade civil e Estado, é um desconhecimento próprio do solo em que se pretende realizar uma estratégia e tática revolucionária. Não partir da superexploração é, portanto, construir uma estratégica inócua, porque o verdadeiro jogo não está sendo jogado no campo do Estado, mas da sociedade civil, das relações de produção.
Acerca do mercado interno e do Exército Industrial de Reserva:
Dentre
os muitos desconhecimentos daquele que não entende a superexploração da força
de trabalho, não está claro para ele que o cenário de superexploração não
permite no Brasil a consolidação de um mercado interno de produção. Na verdade,
a superexploração da força de trabalho divide a economia em dois ciclos de
consumo: um de alta intensidade, dado pelo consumo decorrente do mais valor não
acumulado, isto é, daquela parcela do mais valor que o capitalista transforma
em renda, e o ciclo de baixa intensidade, dado pelo consumo do trabalhador, que
é o consumo advindo do salário remunerado abaixo do valor real da força de trabalho.
Os ignorantes da crítica da economia política, inclusive aqueles que apostam
suas fichas no jogo político, tais como os parlamentares do PSOL ou qualquer
cientista político tradicional, como um
cachorro correndo atrás do próprio rabo, buscam a solução para a tal
desigualdade social sem entender que o fundamento dela, em seu nível mais
determinante, é essa divisão do ciclo de consumo da economia dependente. Da
mesma forma, buscam, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo, explicar
a realidade por meio de categorias mistificadoras como “precariado” (o que
seria o precariado senão o trabalhador superexplorado? Qual é o ineditismo do
precariado, quando lemos A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra?) ou
mesmo “subconsumo” (que é o subconsumo senão o consumo possível quando a
remuneração é abaixo do valor real da força de trabalho?)
Além disso, no ponto mais importante, que é a questão do emprego, são esses militantes vulgares completamente ignorantes quanto às suas razões. Não sabem que a tendência brasileira de manter altas taxas de desemprego, quase como uma Lei Tendencial do Exército Industrial de Reserva, está na verdade ligada a dois aspectos: o consumo deprimido pela remuneração abaixo do valor real da força de trabalho e a necessidade de reposição constante do capital variável, isto é, da força de trabalho, uma vez que a superexploração da força de trabalho leva o trabalhador aos seus limites físicos esgotando prematuramente a força de trabalho. Assim, impossibilitado de diagnosticar a realidade brasileira a partir da sociedade civil, ignorante da Economia Política, ou melhor, da Crítica da Economia Política, o militante vulgar reproduz jargões como “democracia”, “justiça” ou o pior de todos, “defesa de direitos”. Nada mais deprimente do que essa profunda ignorância acerca do cenário nacional que militantes de todos os partidos ditos de esquerda, com destaque especial para a pobreza intelectual do PSOL, reproduzem de forma cotidiana. Parecem não saber que a liberdade só poderá vir acompanhada do socialismo, como o próprio nome do partido sugere. E sem liberdade efetiva, ou seja, sem estarmos livres da produção capitalista, sem estarmos livres do nosso isolamento da comunidade humana, que é um isolamento muito mais desesperador que o isolamento da comunidade política, como sugere Marx em suas “Glossas Críticas Marginais ao artigo: o Rei da Prússia e a Reforma Social – de um prussiano”.
Uma proposição: a Taxa de Superexploração da força de trabalho
Como
vimos, a taxa de exploração da força de trabalho é uma expressão quantitativa
que permite medir o grau de exploração da força de trabalho. Marx parte do
pressuposto, embora não negue a possibilidade de isso não ser uma realidade
universal, de que o valor real da força de trabalho corresponde ao salário
mínimo. Como vimos, no capitalismo dependente brasileiro, impera a
superexploração da força de trabalho, isto é, a exploração física da força de
trabalho do proletariado além dos limites normais. E como vimos, o resultado
disso é uma remuneração abaixo do valor real da força de trabalho. Sabemos, por
meio da tabela do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos, a diferença entre o valor real da força de trabalho (expresso
na tabela pelo salário mínimo necessário) e a remuneração que recebe o
trabalhador, abaixo do valor real, expressa pelo salário mínimo nominal.
Tomemos a tabela de 2019, apenas como título de referência:
COMPARAÇÃO ENTRE SALÁRIO MÍNIMO NOMINAL E SALÁRIO MÍNIMO NECESSÁRIO[1]
2019 NOMINAL NECESSÁRIO |
||
Dezembro |
R$ 998,00 |
R$ 4.342,57 |
Novembro |
R$ 998,00 |
R$ 4.021,39 |
Outubro |
R$ 998,00 |
R$ 3.978,63 |
Setembro |
R$ 998,00 |
R$ 3.980,82 |
Agosto |
R$ 998,00 |
R$ 4.044,58 |
Julho |
R$ 998,00 |
R$ 4.143,55 |
Junho |
R$ 998,00 |
R$ 4.214,62 |
Maio |
R$ 998,00 |
R$ 4.259,90 |
Abril |
R$ 998,00 |
R$ 4.385,75 |
Março |
R$ 998,00 |
R$ 4.277,04 |
Fevereiro |
R$ 998,00 |
R$ 4.052,65 |
Janeiro |
R$ 998,00 |
R$ 3.928,73 |
O que
esses dados nos mostram é a diferença entre o valor real da força de trabalho,
expressa no salário mínimo necessário e com uma variação de meses. Dessa tabela
podemos extrair dois dados importantes, mas que ainda não são a nossa hipótese:
a quantidade de lucro médio obtido pelo capitalista em cada mês a partir da diferença
entre o necessário e o nominal, e a média de lucro obtida pelo capitalista
anualmente. A primeira fórmula consiste simplesmente em pegar o salário mínimo
necessário, que representarei por NE, e o salário mínimo nominal, que
representarei por NO, para encontrar o Lucro de Superexploração, que
representarei por LS, de forma que NE – NO = LS. O segundo dado é obtido
através da obtenção das médias aritméticas de NE e NO, que resultam em uma
média aritmética de LS. Assim,
TABELA DE LUCRO DE SUPEREXPLORAÇÃO[2]
MÊS |
NECESSÁRIO |
NOMINAL |
LUCRO DE SUPEREXPLORAÇÃO |
Dezembro |
R$ 4.342,57 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.344,57 |
Novembro |
R$ 4.021,39 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.023,39 |
Outubro |
R$ 3.978,63 |
-R$ 998,00 |
R$ 2.980,63 |
Setembro |
R$ 3.980,82 |
-R$ 998,00 |
R$ 2.982,82 |
Agosto |
R$ 4.044,58 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.046,58 |
Julho |
R$ 4.143,55 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.145,55 |
Junho |
R$ 4.214,62 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.216,62 |
Maio |
R$ 4.259,90 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.261,90 |
Abril |
R$ 4.385,75 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.387,75 |
Março |
R$ 4.277,04 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.279,04 |
Fevereiro |
R$ 4.052,65 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.054,65 |
Janeiro |
R$ 3.928,73 |
-R$ 998,00 |
R$ 2.930,73 |
Média de Lucro |
R$ 4.135,85 |
-R$ 998,00 |
R$ 3.137,85 |
A
quantidade de lucro médio, por ano, embora seja um dado importante para nós,
não é a nossa proposição final. Para calcularmos uma taxa de superexploração,
ou seja, para expressarmos de maneira proporcional a Taxa de Superexploração da
força de trabalho, ou seja, o grau de Superexploração da força de trabalho,
precisamos saber quantas vezes o salário mínimo necessário é maior que o
salário mínimo necessário. Para esse procedimento, seguimos com outra simples
fórmula: sendo a Taxa de Superexploração da Força de trabalho representada por
TSft, temos o seguinte cálculo, TSft = NE/NO. Assim, a Taxa de Superexploração
da força de trabalho é representada pela divisão entre o salário mínimo
necessário e o salário mínimo nominal, enquanto a média anual é dada pela
fórmula
TABELA DE TAXA DE SUPEREXPLORAÇÃO DA
FORÇA DE TRABALHO[3]
MÊS |
NECESSÁRIO |
NOMINAL |
TSft |
Dezembro |
R$ 4.342,57 |
R$ 998,00 |
4,4 |
Novembro |
R$ 4.021,39 |
R$ 998,00 |
4,0 |
Outubro |
R$ 3.978,63 |
R$ 998,00 |
4,0 |
Setembro |
R$ 3.980,82 |
R$ 998,00 |
4,0 |
Agosto |
R$ 4.044,58 |
R$ 998,00 |
4,1 |
Julho |
R$ 4.143,55 |
R$ 998,00 |
4,2 |
Junho |
R$ 4.214,62 |
R$ 998,00 |
4,2 |
Maio |
R$ 4.259,90 |
R$ 998,00 |
4,3 |
Abril |
R$ 4.385,75 |
R$ 998,00 |
4,4 |
Março |
R$ 4.277,04 |
R$ 998,00 |
4,3 |
Fevereiro |
R$ 4.052,65 |
R$ 998,00 |
4,1 |
Janeiro |
R$ 3.928,73 |
R$ 998,00 |
3,9 |
Média de Superexploração da FT |
R$ 4.135,85 |
R$ 998,00 |
4,1 |
Assim,
conseguimos uma forma de medir o grau de superexploração da força de trabalho
em um determinado período. Podemos ainda medir, comparativamente, as variações
do grau de superexploração da força de trabalho ao longo do tempo, comparando
anualmente. Essa proposição é importante não somente para entendermos os vários
níveis de superexploração a qual um trabalhador está submetido de acordo com diferentes
períodos do ano (pode-se tirar o trimestre, semestre, a média anual) mas
também, ao compararmos anualmente, temos um instrumento a mais que talvez possa
nos explicar as variações na conjuntura, a partir da deterioração das condições
de vida dos trabalhadores, isto é, a partir do aumento ou diminuição do grau de
superexploração da sua força de trabalho. Esses dados por si só, são
esclarecedores. Mas sabemos que o trabalho informal é muito grande no Brasil,
portanto, para uma análise mais detalhada sobre as condições de trabalho do
proletariado brasileiro, é fundamental incrementarmos os dados do IBGE para
compreendermos quantas pessoas chegam a ganhar de fato o salário mínimo
nominal. Como vemos cotidianamente tanto o DIESSE quanto o IBGE, assim como os
meios de notícia divulgando[4], grande parte da população
brasileira não chega sequer a receber o salário mínimo nominal. Isso, sem levar
em consideração é claro, que a captura do poder de compra por meio da
transferência de custos produtivos, fenômeno que conhecemos como inflação, corrói o salário dos
trabalhadores, de forma que sequer o salário mínimo nominal representa o
salário mínimo que os trabalhadores realmente utilizam como poder de compra,
esse representado pelo salário mínimo
real. Assim, podemos realizar o mesmo cálculo da Taxa de Superexploração da
força de trabalho, substituindo o NO, ou seja, o salário mínimo nominal, por
uma variável que represente o mínimo real, como MR, de forma que temos:
Assim, estamos orientados mais apuradamente em termos de estratégia e tática para a construção da Revolução Brasileira. Sem nos atentarmos para a superexploração, seremos inócuos na conjuntura porque seremos cegos para o maior problema enfrentado pela classe trabalhadora brasileira. A burguesia brasileira precisa da superexploração para sobreviver. Se essa é sua fonte de vida, que se dê fim à superexploração, e, portanto, que se dê fim à burguesia brasileira. Mas isso não será feito a não ser que por meio da Revolução Brasileira.
Referências Bibliográficas:MARX, Karl. O Capital: Livro 1. São Paulo: Editora Boitempo, 2013.
MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo: Editora Boitempo, 1998.
TRASPADINI, Roberta. STÉDILE. João Pedro. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Editora Expressão Popular. 2005.
[1] Fonte: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html. Acesso em: 26 de junho de 2020.
[2] Os dados de salário mínimo nominal
e necessário correspondem aos dados que fornecem o DIESSE para o ano de 2019 em
https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html.
Acesso em: 26 de junho de 2020.
[3] Os dados de salário mínimo e necessário
correspondem aos dados que fornecem o DIESSE em https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html.
Acesso em: 26 de junho de 2020.
[4] Um exemplo claro pode ser
encontrado em: https://noticias.r7.com/economia/metade-dos-brasileiros-vive-com-apenas-r-413-por-mes-mostra-ibge-16102019