Por
Ivo Tonet (UFAL) – professor-doutor aposentado do departamento de educação.
Extraído de seu site pessoal.
Respeitando
outras posições, permito-me externar, aqui, algumas ideias.
Como é
um texto pequeno, certamente deixará muitas lacunas, que implicarão em outras leituras.
Ao final, sugerirei alguns textos a serem lidos.
Referindo-se
ao Estado, à luz da experiência concreta da Comuna de Paris e, portanto, em
plena maturidade, Marx afirma em A Guerra civil na França: “Mas, a classe
operária não pode simplesmente se apossar da máquina do Estado tal como ela se
apresenta e dela servir-se para seus próprios fins”. Ao longo do texto, fica
claro que o Estado deve ser DESTRUÍDO e não TOMADO. Também fica claro que ele
não deve ser substituído por outro Estado, mas que o poder social, que fora
usurpado pelas classes dominantes desde a entrada em cena da propriedade
privada, deve ser reabsorvido pelo conjunto dos revolucionários. Essa nova
forma do poder político foi chamada de Comuna, isto é, um poder político
exercido e controlado pelo conjunto dos revolucionários e não por um corpo
separado de instituições. Este deveria ser o primeiro passo do processo
revolucionário e seria a mediação que abriria o caminho para “(...) desarraigar
o fundamento econômico sobre o qual descansa a existência das classes...”. A
razão disto é que o Estado moderno é o instrumento fundamental para a defesa
dos interesses do capital. Este só pode ser eliminado se o Estado for
destruído. Por isso mesmo, todo e qualquer partido (ou conjunto de partidos)
que TOMAR o Estado ou que organizar um novo Estado, (seja ele denominado
“operário” ou “popular”), se verá obrigado a se tornar, não importa sob que
forma e não importam as boas intenções, um administrador do capital. É preciso
repetir mil vezes: o capital é o verdadeiro poder e é incontrolável. Qualquer
limitação que lhe seja imposta, ele a ultrapassará. A dependência essencial do
Estado em relação ao capital e as inúmeras tentativas de controlá-lo, desde o
tempo da socialdemocracia alemã até os nossos dias, provam isso à saciedade.
Os que
abandonaram, (explícita ou implicitamente), a teoria marxiana apostam na TOMADA
do Estado através do jogo democrático para, por intermédio dele, realizar
transformações que resolveriam, de modo gradativo e dentro do sistema
democrático, os graves problemas sociais. Tendo abandonado a perspectiva da
revolução e do socialismo, pretendem, no fundo, humanizar o capitalismo. Por
isso, participar do processo eleitoral seria absolutamente necessário. Um
argumento adicional, também esgrimido por outros, que se pretendem realmente de
esquerda, é que a união de todos os “progressistas” seria necessária para
barrar o avanço da extrema direita.
Os que
não abandonaram a perspectiva da revolução e do socialismo, também afirmam a
necessidade de participar do processo eleitoral. Alguns com o objetivo de TOMAR
o Estado e, por intermédio dele, dirigir o processo em direção ao socialismo e
outros com a intenção de apenas aproveitar o espaço para denunciar as mazelas
do capital, não se isolar das massas e assim contribuir para elevar seu nível
de consciência.
Quanto
à proposta de TOMAR o Estado e, por seu intermédio, dirigir um processo de
desenvolvimento que levaria o país ao nível do “Primeiro Mundo”, não há nem o
que dizer. Do ponto de vista teórico e do ponto de vista dos inúmeros fatos
históricos, o equívoco é total. Por esse caminho, a “esquerda” pode até chegar
ao poder, mas com a condição de ter abandonado qualquer pretensão de ser uma
esquerda revolucionária. No caso do Brasil, seria propor a realização plena da
revolução burguesa, coisa na qual a própria burguesia não tem o menor interesse
e que é absolutamente inviável na atual ordem internacional em crise profunda.
Quanto ao argumento da necessidade de barrar o
avanço da extrema direita, parece-nos uma visão profundamente míope e curta.
Isto porque o inevitável agravamento da crise do capital impossibilitará a
resolução gradativa dos problemas sociais e, portanto, a cada nova eleição a
situação se repetirá e em nível cada vez mais grave. A onda de governos de
direita ou até de extrema direita, que se sucedeu a uma onda de governos
“progressistas”, confirma claramente isso.
Quanto
à proposta de TOMAR o Estado para, por intermédio dele, dirigir o processo de
transformação social em direção ao socialismo também é um completo equívoco se
pensarmos à luz da teoria marxiana. Significaria apenas, como já vimos,
candidatar-se a tentar administrar melhor o capitalismo, nada mais do que isso.
Não importam as boas intenções. Exemplos históricos também não faltam.
Quanto
à proposta de aproveitar o processo eleitoral para não ficar isolado das massas
e elevar seu nível de consciência com a denúncia das mazelas do capital, também
nos parece equivocada. Por que? Argumenta-se que não participar implicaria em
ficar isolado e sem influência sobre as massas. Argumenta-se, também, que a
revolução “não está na ordem do dia” e que, portanto “enquanto ela não
acontece” é preciso “fazer o possível”.
É
verdade que as massas não têm, hoje, um nível de consciência revolucionário e
que muitos ainda acreditam no processo eleitoral. Também é verdade que os que
falarem em mudar radicalmente o mundo não terão, hoje, muita audiência. Sem
dúvida, também é verdade que “a revolução não está aí na esquina”. Caberia,
porém, perguntar: como se eleva o nível de consciência das massas, o que é
“fazer o possível” tendo em vista a transformação radical do mundo e em que
momento as propostas revolucionárias poderão alcançar uma grande audiência?
A
história das revoluções tem mostrado que a elevação do nível de consciência das
massas não tem como elemento principal as ações dos revolucionários, mas o
agravamento das condições de vida e o acirramento das contradições sociais.
Também tem mostrado que não é apresentando-lhes falsas alternativas e
rebaixando o nível das propostas que se contribui para a elevação da
consciência e para a acumulação de forças. Também caberia lembrar que o número
dos que estão insatisfeitos com o sistema político e que se recusam a
participar do processo eleitoral é muito grande.
O que
devem fazer, então, os revolucionários? Aguardar sentados confortavelmente a
chegada da revolução? De modo nenhum.
Sua
atividade, nesse momento em que as contradições sociais ainda não se agravaram
a um nível insuportável, deveria ter o caráter de propaganda, de agitação e
organização. Porém, sem a pretensão de atingir as amplas massas. A história tem
demonstrado que sempre que partidos que se pretendiam revolucionários
conseguiram arrebanhar milhares ou até milhões de seguidores ou se tratava já
de um momento tipicamente revolucionário ou, não sendo o caso, tinham
abandonado a perspectiva revolucionária, rebaixando seu horizonte e fazendo
alianças que os colocavam no caminho do reformismo.
Sem
pressa e sem voluntarismo, trata-se, para os revolucionários, de estar, sim, no
meio das massas e participar das diversas lutas sociais, com o objetivo de
articular as lutas parciais com o objetivo mais geral; de explicar, através dos
mais diversos meios, as causas dos problemas (o que são a propriedade privada,
o capital, o capitalismo, o trabalho assalariado, a crise atual, o Estado,
etc.); o que é o socialismo e enfatizar que ele é a única solução positiva para
a humanidade; que isso requer uma ruptura radical com o capital e que são elas,
as massas, o verdadeiro sujeito dessa transformação e não algum tipo de
“salvador”. Daí a importância de se organizarem de forma independente do
Estado.
Para
realizar essas tarefas, porém, é da maior importância que os revolucionários
tenham, eles mesmos, um sólido conhecimento da teoria marxiana e da realidade
concreta.
A
articulação entre esses dois momentos – o agravamento da crise e a propaganda e
a agitação acerca dessas ideias – poderá, no devido tempo, conferir um caráter
diferente a todo o processo e aí sim influenciar milhões de pessoas no sentido
de uma transformação radical do mundo.
Não se
trata, portanto, simplesmente de anular o voto. Não se trata de nenhum
imobilismo, purismo ou absenteísmo. Trata-se de orientar todo o trabalho, que
não é pouco, em um sentido completamente diferente. Independente das intenções,
a participação no processo eleitoral implicará a legitimação desse processo e
induzirá à crença de que este é o único caminho para a resolução dos problemas
sociais.
Como
já dissemos em outro momento: É melhor dar poucos passos na direção certa do
que muitos passos na direção errada!
Sugestões de leituras
MARX,
K. Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De um
prussiano.
_____.
O 18 Brumário de Luís Bonaparte.
_____.
A Guerra Civil da França.
LENIN,
V. I. O Estado e a Revolução.
TONET,
I. Eleições: repensando caminhos.
_____.
Trabalho associado e extinção do Estado.
_____.
Trabalho associado e revolução proletária.
LESSA,
S. As tarefas da esquerda na presente crise.