Thiago Jorge é graduado em Administração pela FEARP-USP e Mestre em Administração (Economia) pelo PPGA da FACC/UFJF. Dono do canal de divulgação da teoria marxista “Crítica Marxista” no Youtube.
Seguimos com a segunda parte da nossa entrevista. Parte 1 pode ser vista aqui.
AC – Seu mestrado versou sobre os “Gestores do
capital e crise econômica brasileira: 2009 – 2018” (2019), sob orientação
do prof. Elcemir Paço Cunha. Em linhas gerais, o que seriam esses “gestores do
capital”? Eles seriam uma “classe” no sentido marxista ou uma fração de classe
específica? Ademais, como compreender o conflito objetivo de interesses entre
os diversos gestores?
R: Ao longo do século XX, diferentes linhas teóricas vieram a conceber os
gestores ou administradores profissionais (tanto das empresas, quanto dos
Estados Nacionais) como integrantes de uma nova classe dominante. Muito resumidamente,
argumentavam que tais indivíduos formariam uma nova classe (diferente da classe
dos capitalistas) por não se tratarem nem de proprietários, nem de meros
vendedores de suas forças de trabalho; e seriam “dominantes”, uma vez que se
tornaram os reais controladores das corporações.
As
evidências teóricas e empíricas que reunimos ao longo das nossas pesquisas, no
entanto, nos mostraram que:
1)
Os gestores que ocupam os postos médios e operacionais das empresas (e mesmo do
Estado) não têm as mesmas motivações, não freqüentam os mesmos espaços, não
estabelecem laços familiares e, principalmente, não têm rendimentos minimamente
compatíveis com os gestores de nível estratégico (diretores, CEOs, ministros de
estado...). Não caberia, portanto, conceber uma classe social formada por
indivíduos tão diferentes.
2)
Por outro lado, ainda que no dia-a-dia os gestores do topo das organizações exerçam
funções que em muito se diferenciam da atuação dos típicos proprietários de títulos e ações (que vivem como coletores de juros, dividendos, etc.); verificamos
que, entre eles, formam-se laços familiares, que freqüentam os mesmos resorts,
enviam seus filhos para as mesmas escolas...
Intelectuais
mais próximos à Teoria da Agência contra-argumentariam dizendo que, apesar
dessa proximidade social, a forma como tais indivíduos acessam a massa de
riqueza não é apenas diferente, mas sim antagônica. Os proprietários vivem de
juros e dividendos; os gestores do topo vivem de seus salários. Além disso,
como apenas estes controlam o que acontece diariamente nas organizações, eles
podem influenciar positivamente seus salários em detrimento da distribuição de
lucros e dividendos. Ou seja, seus interesses se chocam a todo momento.
Na
prática, no entanto, a maioria destes gestores acumula títulos de propriedade
tanto das empresas em que atuam, quanto de outras empresas (sobre as quais
possuem zero controle). Ou seja, quando olhamos para o agregado, são tão
capitalistas quanto os típicos proprietários. Diferenciam-se apenas por
colocarem a mão na massa.
Em
função disso, sustentamos que a classe capitalista se divide em duas frações.
De um lado, os típicos proprietários de títulos e ações; de outro, os gestores
do topo das organizações (os quais denominamos: “gestores do capital”).
Para
aqueles, contudo, que ainda julgam essa divisão confusa ou desnecessária,
adicionaria o seguinte ponto: enquanto os primeiros se limitam a escolher
investimentos lucrativos e esperam que seu dinheiro “trabalhe” por eles; os
gestores do capital tomam as decisões realmente relevantes para a reprodução do
capital, e, assim, ocupam espaço na mídia, ganham matérias em revistas
especializadas, se tornam temas de palestras motivacionais, acumulam
admiradores, etc. São, portanto, os indivíduos que influenciam diretamente os
rumos da economia capitalista. Enquanto os típicos proprietários são “ilustres”
desconhecidos.
3)
Para encerrar, vemos ainda que os gestores do capital atuam de maneiras
distintas quando são colocados em posições distintas. Por isso, fomos além, e
subdividimos essa categoria em:
a) Gestores Políticos do Capital (presidentes,
ministros, parlamentares...);
b)
Gestores
Econômicos do Capital;
b1) Gestores do Capital Produtivo;
b2) Gestores do Capital Comercial;
b3) Gestores do Capital Financeiro;
Os
Gestores do Capital são, portanto, uma espécie de vanguarda da classe
capitalista, uma vez que são os encarregados pelas decisões estratégicas. A
natureza e o propósito dessas decisões, no entanto, variam conforme o papel
circunstancialmente assumido. É muito diferente, por exemplo, administrar uma
grande rede de varejo e administrar um banco de investimento.
Curiosamente, no entanto, um dos meus colegas que também estuda essa temática (Victor Castro), levantando o histórico da carreira de vários gestores do capital, percebeu que a posição que ocupam varia ao longo da carreira. Por exemplo, uma mesma pessoa atua ora como um gestor do capital financeiro, ora como um gestor do capital produtivo, ora como um gestor político. Consequentemente, não são criados vínculos duradouros entre pessoas e a função desempenhada. Não creio, portanto, que possamos falar numa classe de gestores do capital financeiro ou numa classe de gestores políticos.
AC – Você busca se furtar, como indica, de
posições subjetivistas, mas também daquelas que negligenciam completamente as
respostas efetivadas pelos gestores. Poderia explanar sobre isso?
R: A forma como essa discussão é usualmente feita
no campo da Economia fica pautada pelos seus extremos. O pessoal da
Macroeconomia olha para os agregados, mas (ao fazê-lo) negligencia todas as
questões que afetam as personificações individuais. Já o pessoal da
Microeconomia se atém aos nuances da subjetividade, mas (ao fazê-lo) ignora as
determinantes globais da lógica capitalista.
Uma das grandes contribuições
de Marx é sobre como as determinantes estruturais do modo de produção
capitalista se personificam (nas personalidades individuais). Muitos dos
economistas que não entendem a chamada Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro
não a entendem porque não conseguem estabelecer as conexões entre estas coisas.
Dizem eles: “Como que aumentar a produtividade pode acarretar a redução da
lucratividade? E, se assim o fosse, por que os gestores seguiriam investindo no
incremento da produtividade?”
Nosso objetivo era, portanto, trazer
a reflexão marxiana para o problema da atuação dos gestores do capital. Ou
seja, não pretendíamos apenas reforçar a análise das questões estruturais (que já
são, inclusive, muito bem compreendidas pela tradição marxista); nem, nesse
primeiro momento, analisar o processo decisório de gestores individuais. Mas
sim identificar as motivações que levaram diferentes grupos de gestores do
capital a agirem da maneira como de fato agiram. Buscamos, desse modo,
respostas para questões do tipo: por que gestores que apoiaram efusivamente o
governo Lula passaram a fazer uma barulhenta oposição ao governo Dilma?
Ressalto ainda que não se trata simplesmente de analisar, de um lado, questões objetivas e, de outro, questões objetivas e depois, arbitrariamente, estabelecer o peso de cada uma dessas coisas. Mas sim de entender a objetividade por trás de variações subjetivas, e também de como essas variações subjetivas se convertem em questões objetivas.
AC – Segundo sua pesquisa, mesmo no período do boom
das commodities, durante o governo Lula, onde se esperava um incremento considerável
de investimento em setores de Engenharia e P&D, foram esses setores os mais
comedidos. O que justifica esse comportamento? Também, segundo suas pesquisas,
qual a razão para que as filiais de grandes multinacionais implementem menores
investimentos no Brasil do que em outros países?
R: Primeiramente, só para esclarecer melhor a
minha resposta anterior, gostaria de indicar como essas questões só podem ser enfrentadas
se consideramos tanto a lógica do capitalismo, quanto a maneira encontrada
pelos agentes para responderem às demandas desta lógica. Não está impresso na
lógica do modo de produção capitalista que os gestores do capital produtivo de
países retardatários não podem e não irão investir em desenvolvimento
tecnológico. Há inclusive exemplos que provam o contrário (China, Coreia do
Sul, etc.).
Por outro lado, é a lógica
capitalista que coloca a questão do desenvolvimento tecnológico (e os seus
riscos inerentes) diante dos gestores do capital. Há, portanto, uma questão
objetiva incontornável e um campo de respostas possíveis (ambos determinados
pela lógica capitalista). Mas são os gestores do capital, a partir de suas
experiências (e, consequentemente, a partir da forma como compreendem o quadro
conjuntural onde atuam), que selecionam uma destas respostas possíveis.
Digo isso, também, para
enfatizar a complexidade destas questões. Não poderia, inclusive, construir minhas
respostas sem antes admitir que há alguns elementos importantes para este
esclarecimento que ainda carecem de maiores investigações.
Finalmente, feito esse
preâmbulo, vou começar pela segunda questão (sobre o investimento das multinacionais
no Brasil).
Repeti, algumas vezes ao longo
da minha dissertação, uma expressão do economista estadunidense, Robert
Brenner, que acredito ser extremamente didática para a descrição dos problemas
enfrentados pelos gestores do capital na atualidade. Segundo ele (mas,
curiosamente, por razões que ele mesmo não consegue explicar completamente),
vivemos hoje numa economia que se aproxima de um jogo de soma-zero. Isso,
sinteticamente, designa que para um conjunto de empresas ter sucesso, outro
conjunto de empresas deverá ter um fracasso proporcional ao sucesso das
primeiras. A conseqüência natural disso é que os gestores do capital devem ser
extremamente criteriosos nos seus investimentos. (Embora poderíamos discutir
longamente o que é ser criterioso no contexto atual. Todo o setor de fundos de
hedge, bem como o chamado “venture capital” trabalham com critérios que aterrorizam
as almas mais ingênuas.)
Para investir no Brasil,
portanto, os gestores tinham que considerar, dentre outras coisas, que: 1) o
custo da força de trabalho apresentava trajetória ascendente; 2) o real era uma
moeda relativamente valorizada frente ao dólar; 3) o Brasil é um país de
dimensões continentais com grandes problemas logísticos (portos, estradas,
ferrovias, cobertura de Wi-Fi...); 4) o país também não dispõe nem de grandes
centros de pesquisa, nem de uma formação científica compatível com a formação praticada
pelos países que alargam as fronteiras tecnológicas.
Ou seja, o Brasil não é
atrativo nem para gestores que buscam um quadro favorável para estabelecer
negócios que dependem de grandes massas de trabalhadores (procurando, portanto,
custos trabalhistas baixos); nem para gestores que buscam um contexto favorável
para a implantação de negócios de alta tecnologia.
Voltemos agora para a primeira
questão. O governo Lula esboçou, ao longo dos seus oito anos, programas de
valorização salarial e políticas que incentivavam a ampliação de investimentos.
O plano tinha que ser, portanto, ganhar espaço em setores de média e alta tecnologia
(não faria sentido ampliar custos trabalhistas e esperar que os capitalistas
ampliassem investimentos em setores que demandam grandes quantitativos de força
de trabalho!). E algo de fato foi feito nesta direção: ampliação do número de
universidades, PROUNI, desoneração fiscal de empresas que investissem em
tecnologia, etc.
Ao levantar os dados desse
período, no entanto, percebemos pelo menos duas grandes contradições nesse
processo:
1º) Comparemos as condições
estruturais da economia brasileira com a de seus concorrentes diretos nos
setores de média e alta tecnologia (pensemos, por exemplo, na China). Essas
ações encabeçadas pelo governo Lula eram o suficiente para reposicionar o
Brasil? Numa economia de soma zero e considerando todos os gargalos da economia
brasileira, a resposta é um sonoro NÃO!
2º) Ainda pior, no entanto, é a linha de ação dos gestores do capital produtivo atuantes no Brasil. Estes, na prática, jamais aderiram ao projeto lulista. Os incentivos públicos, portanto, não se transformaram na ampliação de investimentos produtivos, mas sim em meios para que tivessem outras fontes de rendimentos. Portanto, enquanto o contexto lhes era favorável, tais gestores embolsaram os ganhos permitidos pela conjuntura política e econômica; quando o contexto mudou, engajaram-se na substituição dos gestores políticos petistas por gestores políticos mais dedicados a combater a alta dos custos trabalhistas.
AC – Nas assertivas particularizadoras de J.
Chasin sobre a parafrásica miséria brasileira, encontramos a definição
pungente de que se trataria, sobretudo, de um capital incompleto e
incompletável. Como você aprecia essa interpretação? Quais os limites e
exigências que essa condição oferece aos gestores políticos?
R: Creio que, curiosamente, quando Chasin
defendeu tal idéia, ele o fez muito mais a partir de considerações sobre o
universo ideológico dos gestores do capital atuantes no Brasil (e daquilo que,
com alguma boa vontade, poderíamos chamar de oposição), do que a partir das
condições econômicas. Digo isso, porque se olhássemos exclusivamente para a
economia, embora o quadro já fosse muito adverso, algumas possibilidades ainda
se insinuavam no horizonte (e me parece, pelos textos chasinianos dos anos 80,
que ele não descartava isso). Creio, no entanto, que tal afirmação tinha como
fundamento a inexistência de um agente que, de fato, encabeçasse um projeto
alternativo. Não havia indícios de que vivenciaríamos uma revolução social; os
gestores do capital já estabelecidos também não davam quaisquer indícios de que
“revolucionariam” a sua forma de atuação; enquanto os partidos de oposição
cresciam à base de ilusões.
Se esta minha leitura estiver
correta, eu apenas adicionaria que, agora (em 2020), as condições econômicas
são provavelmente tão restritivas quanto o horizonte programático e ideológico
dos agentes que mencionei. Inclusive, pensando na situação hipotética de um dos
partidos à esquerda (que temos hoje disputando as eleições) conquistar o posto
da gerência política do capital em 2022, creio que o contexto não poderia ser
mais adverso. Seguimos num contexto econômico mundial de jogo de soma zero, mas
com nossos concorrentes muito mais adiantados (na corrida capitalista). Não
coincidentemente, é comum (dentre aqueles que conhecem esse cenário) a defesa
de um plano de gestão política pautado na emissão de imensas quantidades de
moeda. Como não se pode contar com os gestores econômicos do capital, a única
solução que podem conceber é o Estado bater o escanteio e ir para a área fazer
o gol de cabeça. Mas, para isso, tem-se também que torcer para que outros
Estados não façam o mesmo (caso contrário, a distância seria mantida).
Ainda que não entremos no
mérito daquilo que é possível e impossível fazer por meio da expansão da
emissão de moedas (pois, para isso, teríamos que entrar na longa discussão
sobre a superacumulação de capital e seus fundamentos), uma questão tem que ser
imediatamente encarada: como o Poder Executivo poderia encabeçar a implantação
de um programa alternativo se os Poderes Legislativos e Judiciários seguem com
suas lógicas intactas, e, PRINCIPALMENTE, os gestores do capital atuando no
Brasil seguem sendo os mesmos?
Lembremos que quando o Estado
abre espaço orçamentário para fazer um investimento de, por exemplo, R$100
milhões, ele está, na realidade, transferindo este dinheiro para as empresas
que venceram a licitação. Em última instância, é o capital produtivo que vai botar
a mão na massa. Consciente ou inconscientemente, as gestões petistas nos
mostraram que essa transferência não é algo banal. E reparem que aqui ainda
estamos falando do artifício que confere MAIOR controle e poder de influência
ao Executivo!
Em termos um pouco mais
abstratos, eu colocaria o problema da seguinte maneira: o Poder Executivo foi
formatado para desempenhar funções específicas dentro da lógica capitalista. Uma
dessas funções é a definição de limites gerais para a atuação dos diferentes
capitais (função que divide com o Poder Legislativo). A partir disso (mas não
apenas por causa disso), criou-se uma (falsa) impressão de que o Poder
Executivo atua como uma espécie de vanguarda do capital. Ele seria, portanto,
capaz de direcionar a atuação dos gestores econômicos do capital.
Entretanto, uma coisa é ter
poderes para impor limites à jornada de trabalho ou decretar um lockdown (com todos os problemas que vemos
na prática), outra coisa é ter poderes para definir plano de metas de
investimentos privados, ou para criar redes de articulação entre capital
produtivo, capital comercial e capital financeiro, etc. Esse “detalhe” faz muita
diferença, pois não creio que exista um único caso de reversão de atrofia
econômica que tenha sido levado a cabo por um Poder Executivo sem o apoio da
burguesia local ou que não tenha acumulado “super poderes” a partir de uma
revolução social. No nosso caso, como não podemos contar com a burguesia local,
a única opção é a revolução social. Mas essa é apenas a primeira barreira a ser
vencida.
Por fim, sei que quando falamos em revolução social, já se imagina a construção de uma nova ordem social. Isso, com certeza, deve ser o objetivo de qualquer pessoa que ainda cultive algum tipo de empatia (mesmo que não saiba disso). No nosso quadro atrófico, no entanto, esse movimento só seria possível mediante grande ajuda externa. Como essa ajuda externa ainda não existe, o pouco que podemos fazer é extrair o máximo daquilo que é possível nos limites “da tragédia capitalista” (torcendo para que um contexto menos restritivo surja no horizonte).
AC – No diapasão da pergunta acima, é possível
afirmar que, tendo em conta a objetivação hipertardia do capitalismo
brasileiro, um ideário nacional-desenvolvimentista, ainda mais na atualidade, só
poderia estar ancorado em boa dose de hipertrofia da vontade política e
ofuscamento da particularização do capitalismo brasileiro?
R: Creio que sim. A objetivação hipertardia nos
colocou num quadro muito adverso. O que vimos, desde então, foi a transformação
daquilo que era um quadro muito adverso num quadro praticamente irreversível.
Numa tentativa de analogia,
diria que perdíamos a partida por 3 x 0. Agora, seguimos com o placar adverso,
mas estamos com 45 minutos do segundo tempo e tivemos dois jogadores expulsos. Nesse
cenário, o ideário nacional-desenvolvimentista é representado por aquele
torcedor que fechou os olhos, ajoelhou-se e está rezando por um milagre. O mais
trágico, no entanto, é que os ideários alternativos podem ser representados por
aquele torcedor que fala, saudosamente, das “glórias” do passado; ou por aquele
torcedor que está desde o início do segundo tempo falando que o importante é o
time focar em outra competição (provavelmente alguma competição na qual as
pessoas podem se alimentar por fotossíntese).
Ou seja, o ideário nacional-desenvolvimentista é o único que ainda sustenta a possibilidade de se conquistar a vitória sem que movimentações mais bruscas sejam necessárias. É, portanto, uma ideação confortável. O problema é que talvez seja tão confortável quanto ingênua.
AC – Segundo o ANUÁRIO ILAESE 2019, “Em 1995, a
participação do capital produtivo na economia era de 36,22%, este percentual
cai de maneira continuada desde 2012, atingindo a casa de 31% desde 2015,
justamente quando a crise brasileira atingiu maior proporção” (ILAESE, 2019,
p.11). Ainda, atualizando os dados da “atrofia”, a indústria de transformação
migra entre 1995 a 2018 de 16, 81% a 11,31%. Em suma, esses dados são o
indiciário da impossibilidade de modificar, de modo robusto, o lugar da
economia brasileira no capitalismo globalizado?
R: Primeiramente, retomando a questão anterior, esses
dados elucidam as grandes limitações do ideário nacional-desenvolvimentista no
país. Enquanto tal ideário identifica numa aliança entre Estado e capital
produtivo a base para a prosperidade econômica; no Brasil, além de os gestores
do capital produtivo nunca terem aderido a qualquer projeto de desenvolvimento
econômico (que não seja o de seu capital individual), atualmente, como os dados
indicam, a indústria da transformação instalada no país é praticamente uma
espécie em extinção. Fica, portanto, a questão: como apostar no desenvolvimento
da economia brasileira se nem os agentes que deveriam encabeçar esse processo
almejam essa posição?
Gostaria, inclusive, de citar
um caso que acho bastante revelador de como o nacional-desenvolvimentismo
brasileiro é um projeto natimorto. Nas eleições de 2018, tínhamos um candidato
que se colocava explicitamente como a personificação desse projeto: Ciro Gomes.
Do outro lado, o capital produtivo brasileiro possui uma espécie de centro de
inteligência, isto é, uma instituição dedicada a desvendar a conjuntura,
identificando aquilo que é mais interessante para tal capital (estou falando do
Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial - IEDI).
Na ocasião destas eleições, o
IEDI fez um levantamento sobre a conjuntura econômica brasileira, identificando
os grandes obstáculos enfrentados pela indústria instalada no país e,
finalmente, apontando aquilo que lhe parecia ser o projeto político mais
adequado para o enfrentamento destes obstáculos. O que me chamou a atenção neste
estudo não foi uma pronunciada miopia analítica, nem a presença de forte teor
apologético. Na verdade, as pesquisas que consubstanciaram tal documento foram
muito bem feitas e inclusive consolidam dados do interesse de todos aqueles que
querem entender melhor a economia brasileira. O que me surpreendeu foi o fato
de omitirem quase completamente o nome de Ciro Gomes.
Ou seja, ainda que houvesse
muitas correspondências entre o documento do IEDI e o programa de governo
nacional-desenvolvimentista de Ciro Gomes, na prática, o capital produtivo não
estava disposto a perseguir essa linha de atuação.
Portanto, enquanto os dados do
ILAESE mostram como a situação é muito ruim; quando colocamos em perspectiva
também a covardia dos gestores do capital produtivo, vemos que nossa situação é
absolutamente terrível.
Para encerrar, gostaria apenas
de retomar a forma como encaro a nossa situação. Precisamos,
incontornavelmente, de grande desenvolvimento das forças produtivas seja para
superarmos o modo de produção capitalista (incluso, obviamente, uma versátil
indústria da transformação), seja para extrairmos o máximo daquilo que é
possível do próprio capitalismo. Mas para termos grande desenvolvimento das
forças produtivas, precisamos de massivos investimentos em P&D, centros de
pesquisa, ensino superior, etc. Os gestores do capital atuantes no Brasil não
pretendem avançar nessa direção. Não nos resta, portanto, outro caminho que não
seja o de uma revolução social; ainda que, num primeiro momento (e espero que
seja só nesse primeiro momento), tal revolucionamento sirva apenas para
lutarmos de forma racional dentro dos limites do modo de produção capitalista.
Sei, no entanto, que é um “projeto” frio, laborioso, que não fornece soluções imediatas dentro do quadro adverso que enfrentamos e que ainda enfrenta o aquecido mercado das ilusões. Lembro, por outro lado, que o prognóstico global é mais animador. A fronteira tecnológica segue sendo alargada e (como comentamos na primeira parte desta entrevista), o modo de produção capitalista se mostra cada vez mais incapaz de absorver os seus resultados.
Agradecemos
ao economista Thiago Jorge pela gentil entrevista e disposição para esta
plataforma de crítica e reflexão!