Por Fernando Lara -
Por que eu penso que o novo-desenvolvimentismo não pode ser uma agenda para a esquerda no Brasil?
O custo do trabalho em dólares para o exportador e o salário real como poder de compra do salário em reais são, em princípio, coisas diferentes. Entretanto o mais provável é que se o custo do trabalho em dólares cair o salário real também acabe caindo.
A desvalorização cambial nominal reduz, de imediato, o custo do trabalho em dólares para um dado salário nominal. Porém na medida em que a desvalorização seja repassada para os preços da cesta de consumo dos trabalhadores em reais, ela passa a reduzir também o salário real.
Se os trabalhadores conseguissem recompor completamente o seu poder de compra, o custo do trabalho em dólares acabaria caindo muito menos, podendo até, sob certas condições, voltar exatamente ao ponto inicial pré-desvalorização. Se os assalariados não conseguem recompor plenamente o poder de compra, resultaria necessariamente alguma redução do custo do trabalho em dólares, mas junto com alguma redução do salário real.
Agora, se a desvalorização nominal ocorresse com simultâneo aumento de produtividade na produção dessa cesta de consumo dos assalariados: nesse caso o repasse da desvalorização cambial para os preços da cesta de consumo poderia ser menor, ou até nem ocorrer. De modo simplificado, poderia nesse caso haver um efeito de compensação entre uma parcela dos custos que cai (em função do aumento de produtividade) e outra que cresce (em função do câmbio desvalorizado).
Assim é que se poderia compatibilizar uma redução do custo do trabalho em dólar com salários reais inalterados. Para isso seria preciso um aumento de produtividade que compensasse plenamente a pressão de custos (ou margens de lucro) e evitasse que o câmbio desvalorizado pressionasse os preços da cesta de consumo dos assalariados. Nesse caso o aumento de produtividade da produção da cesta de consumo dos assalariados neutralizaria o efeito redutor do câmbio sobre os salários reais, sem que ele deixasse de reduzir o custo do trabalho em dólares.
Qual o problema então com o novo-desenvolvimentismo e o seu argumento de que o que se quer é reduzir o custo do trabalho em dólar mas não o salário real em moeda doméstica? O fato de que um aumento de produtividade fica sempre prometido para DEPOIS que a desvalorização cambial fizer efeito sobre as exportações e/ou sobre o investimento.
Como isso NÃO ocorre, especialmente em uma economia como a brasileira (em que é o mercado doméstico que domina a dinâmica da demanda agregada), o efeito da desvalorização cambial acaba levando inevitavelmente ao repasse para os preços domésticos. Em condições de baixo poder de barganha dos assalariados, a desvalorização nominal resulta em redução do salário real em moeda doméstica. Diversas justificativas ficam sendo dadas sobre porque as exportações e/ou o investimento não cresceram como se prometia, enquanto o mercado doméstico é afetado negativamente pelo efeito distributivo contra os salários reais.
O que os simpatizantes do novo desenvolvimentismo que lerem estas linhas e acharem que faz sentido precisam perceber é não apenas que, como eles em geral sempre destacam, as mudanças estruturais e os ganhos de produtividade são de fato fundamentais. Mas sobretudo que elas precisam e podem ser obtidas de modo independente do nível da taxa de câmbio.
Política industrial e investimentos públicos dependem de ações do Estado e é por aí que se pode produzir os resultados que queremos. Mesmo que se admita que o câmbio valorizado é algo que favorece a desestruturação das cadeias produtivas, não se segue simetricamente que o cambio desvalorizado possa realizar uma reconstrução. Uma estrutura produtiva diversificada não pode ser gerada espontaneamente por alguma situação de preços relativos. Acreditar que essas mudanças desejadas derivam automaticamente da desvalorização cambial é uma armadilha que penaliza quem mais se quer ajudar.
Publicação cedida do autor para o site.
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