Por Yuri Lorscheider - graduando em História pela UFSC
Já escutou falar sobre Horácio Quiroga, escritor modernista
uruguaio? E sobre Abdón Porte?
Quiroga, leitor de Lugones e amigo de Jorge Luis Borges, nasceu
na cidade de Salto, no fim do século XIX. Tivera uma boa educação durante sua
infância e juventude na sua cidade natal e, posteriormente, em Montevidéu. Uma
vida recheada de tragédias pessoais. Perde seu pai muito cedo vítima de um
disparo “acidental". Durante sua juventude, a vida de seus dois irmãos
também fora arrancada precocemente vítimas da febre tifóide. A desfortuna foi
uma companheira muito presente na jornada do escritor. Era colaborador na
revista “Salto” na virada do século e visita, ainda jovem, o velho continente.
Tem contato com os escritos de Guy de Maupassant, Baudelaire, Allan Poe. Após
sua visita à Europa - e depois de perder dois irmãos - o uruguaio lança seu
primeiro livro “Los arrecifes del coral” e assume o cargo de professor de
castelhano em uma escola na cidade de Buenos Aires.
Minha intenção não é redigir uma biografia sobre o escritor
uruguaio. Mas gostaria de destacar um importante ponto de sua carreira. Quiroga
é responsável por escrever o primeiro conto futebolístico em nosso continente.
Assim como a morte rondou sua vida ao longo dos anos, o conto não poderia fugir
muito da temática. “Juan Poltí, half-back” conta sobre o suicídio do histórico
camisa 5 e capitão do Nacional -URU. “El Indio” Abdón Porte não soube lidar com
seu afastamento dos campos de futebol. Com 38 anos, após uma vitória contra a
equipe do Charley, o meio-campista cometeu o único suicídio que ocorrera em um
campo de futebol.
O lugar escolhido? O círculo central da casa do Nacional. O Estádio Parque Central.
Em sua última atuação com a camiseta de seu time, o atleta foi
vaiado pelos torcedores por já não atuar de forma sublime como em temporadas
anteriores. As vaias consumiram Abdón. A aposentadoria lhe pesou mais que o
imaginado. Antes de arrancar sua própria vida, o atleta escreveu uma breve
carta direcionada ao presidente do Nacional. O enterro foi um episódio
comovente na história da cidade de Montevidéu,
Quiroga, ao saber do ocorrido, resolveu escrever sobre "El
Indio" Porte, utilizando um nome fictício. Juan Poltí. Mas todos sabiam
quem era o "half-back" em questão no breve conto. Em maio de 1918, na
revista Atlántida, o escrito era lançado.
Atualmente, uma das tribunas do Estádio do Nacional leva o nome
de "Abdón Porte, como forma de uma singela homenagem à um dos maiores
ícones da história do clube. Sua figura é muito homenageada pelos torcedores
Bolsilludos.
Essa história é digna do mundo fantástico literário
característico de nosso continente. Um profissional que não soube lidar com o
fim de sua carreira, tira sua própria vida em seu ambiente de trabalho. O
autor, anos depois, suicidou-se assim como a personagem supracitada. Esse carma
foi seguido pelos filhos do escritor. Há coisas que acontecem no Futebol e na
História que, muitas vezes, não sabemos dar uma explicação racional.
Vida longa à Quiroga, responsável por unir Literatura e Futebol
em nosso continente. Vida longa à memória de Abdón Porte. Vida longa à
Literatura, à História e ao Futebol, o esporte do Povo e o mais popular de
todos!
“Pero esa madrugada fue hallado el cuerpo del
half-back acostado en la cancha, con el lado izquierdo del saco un poco
levantado, y la mano derecha oculta bajo el saco.
En la mano izquierda apretaba un papel, donde
se leía:
"Querido doctor y presidente: le
recomiendo a mi vieja y a mi novia. Usted sabe, mi querido doctor, por qué hago
esto. ¡Viva el club Nacional!"
Y más abajo estos versos:
Que siempre esté adelante
El club para nosotros anhelo
Yo doy mi sangre por todos mis compañeros,
Ahora y siempre el club gigante
¡Viva el club Nacional!”
- Trecho do conto de Quiroga.
Se pode lê-lo na íntegra em: