Bilionários e super-tempestades

La Loma, de Sir James Goldsmith, na Costa Pacífica do México. [Imagem presente no texto original.]

Traduzido por Gabriel Yuji - mestre em Sociologia pela UFGD. 

[Nota do tradutor: texto original “Billionaires and super-storms”, de Mike Davis*, publicado originalmente em 26 de outubro de 2015. As adições feitas por mim estão entre colchetes. Eventuais erros de escrita foram simplesmente corrigidos, com notas adicionadas quando pertinentes.

O Furacão Patricia se aproxima da costa de Cuixmala onde o ladrão-banqueiro inglês Sir James Goldsmith construiu sua Xanadu [1], La Loma, como um refúgio para o apocalipse.

[Nota do editor]: Mike Davis escreveu esse artigo conforme o Furacão Patricia, então uma tempestade de Categoria 5 de proporções épicas, se aproximava da Costa Pacífica do México trazendo a ameaça de destruição em massa — antes dele desaparecer de forma anti-climática nas montanhas costeiras. A extensão do dano ao “eco-resort” Cuixmala ainda permanece indeterminado.

Enquanto espero, com apreensão, pelas primeiras notícias do estrago e da mortalidade no México, eu não posso evitar de notar a ironia da informação de que o olho do super-furacão chegou em terra na [reserva ambiental] Cuixmala, 60 milhas ao norte de Manzanillo [2], onde o ladrão-banqueiro inglês Sir James Goldsmith construiu sua Xanadu [1], La Loma, nos anos 1980 como um refúgio para o apocalipse que ele acreditava ser inevitável.

Tal qual o de [William Randolph] Hearst, em San Simeon, o “castelo maluco” de Goldsmith — que levou dois anos para ser construído por 2000 trabalhadores — desfruta de uma visão divina do Pacífico selvagem. Emulando o Cidadão Kane [filme inspirado na vida de Hearst], Goldsmith trouxe antílopes e zebras africanas livres para sua extensa propriedade, embora no México tropical eles tenham se deparado com predadores mais formidáveis (crocodilos e jaguares nativos) do que na Califórnia central [onde fica o castelo de Hearst].

Goldsmith estava obcecado com as iminentes catástrofes ambientais e econômicas bem como com o ressurgente comunismo

Goldsmith foi originalmente atraído a “costa virgem” de Jalisco pelos piratas italianos do mercado imobiliário, os Brignones [3], que foram pioneiros em resorts para os super-ricos na região. Nos seus últimos anos, Goldmisth — obcecado com as iminentes catástrofes ambientais e econômicas bem como com o ressurgente comunismo — construiu seu reino de 25000 acres em Cuixmala acima de tudo como um paraíso de sobrevivência para ele mesmo, suas três famílias e suas numerosas amantes. (La Loma, como resultado, é reforçada massivamente com aço e presumivelmente sobreviveu aos ventos iniciais do [Furacão] Patricia de 200 milhas por hora.)

Mas ele também fez do lugar um refúgio para amigos e co-ideólogos anti-comunistas: [Henry] Kissinger, [Richard] Nixon, [Ronald] Reagan, [Rupert] Murdoch. Dado o poder global que estava ali reunido, Cuixmala poderia muito bem ser o local para um filme do James Bond.

E nesse canto: o finado — e brevemente grande — Furacão Patricia. Foto de Scott Kelly/NASA via Getty Images. [Imagem presente no texto original.]

Goldsmith morreu em 1997 e sua filha Alix Goldsmith transformou Cuixmala em um “resort ambiental” de elite — ao estilo costarriquenho — para figuras como Madonna, Mick Jagger e Bill Gates. “Papai não iria querer que Cuixmala se tornasse um desses lugares mortos, onde os ricos vão apenas para beber coquetéis”. Em consonância com o apego de última hora do “papai” pelo conservacionismo [4], ela e seu marido apoiaram a cruzada dos ecologistas mexicanos para criar a Reserva da Biosfera Chamela-Cuixmala, com La Loma como um enclave exclusivo.

Mas isso entrou em conflito com os planos do banqueiro mexicano Roberto Hernández [Ramírez] que queria construir um maior e mais convencional resort perto da [praia] Careyitos. (Hernández encabeça um grupo do mercado imobiliário que comprou mais de 30 haciendas [5] em Yucatán e na Costa do Pacífico do México para converte-las em resorts de luxo em aliança com a [rede de hotéis] Starwood).

Hernández, um amigo de Salinas, é um dos bilionários mais sinistros do México

Hernández, um amigo do [ex-presidente] [Carlos] Salinas [de Gortari], é um dos bilionários mais sinistros do México, tendo comprado em um leilão a maior instituição financeira do país, Bancamex, quando Salinas a privatizou em 1991, que depois ele vendeu uma década mais tarde ao CitiBank por quase 13 bilhões. Suas ligações com o tráfico de cocaína e os cartéis assassinos são infames e, quando ele ameaçou processar jornalistas por tais afirmações, ele sempre perdeu.

A guerra dos bilionários em seus planos concorrentes pela privatização da Costa do Pacífico do México entre Puerto Vallarta e Manzanillo [1] é detalhada com um vigor malicioso em Los señores de la Costa: Historias de poder en Careyes y Cuixmala de Carlos Tello Diaz (México 2014). Também há um artigo antigo em inglês — me perdoem, eu esqueci os autores — na [revista] Latin American Perspectives [6].

Qualquer que seja o custo humano e ecológico do Furacão Patricia na costa virgem (bilionários e celebridades evacuam; os seus empregados ficam para trás para morrer), o desfecho será com quase toda certeza mais privatização e concentração da propriedade fundiária. Eu me arrependo de que Dan[iel Bertrand] Monk e eu não incluímos a Costa Pacífica do México como um dos estudos de caso no nosso livro Evil Paradises[: Dreamworlds of Neoliberalism; em tradução livre, “Paraísos do Mal: o Mundo dos Sonhos do Neoliberalismo”] sobre a construção de um plano alternativo dos muito ricos.

*[Mike Davis é um professor emérito no Departamento de Escrita Criativa da Universidade da Califórnia, em Riverside e um editor da New Left Review. Urbanista, historiador e ativista social, Davis é o autor de Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los AngelesPlaneta Favela e Apologia dos Bárbaros: Ensaios contra o Império [no Brasil, esses livros foram lançados ou re-lançados nos últimos tempos pela Boitempo].]

Notas da tradução

[1] “Xanadu” é uma metáfora para o esplendor e opulência. A origem do termo remonta a 1816, quando o poeta Samuel Taylor Coleridge escreveu um poema sobre Shangdu, a capital do Império Mongol que servia como um palácio para Kublai Khan. No filme Cidadão Kane, citado por Davis no artigo, a mansão do protagonista também se chama Xanadu.

[2] Grafado incorretamente como “Mazanillo” pelo autor.

[3] No original, Davis escreve “Brignonis”. Breve pesquisa, porém, revela que trata-se da família do Gian Franco Brignone, que construiu uma comunidade privada chamada Costa Careyes, em Jalisco.

[4] “Conjunto de práticas, métodos e políticas, que visa a preservação do meio ambiente, através do uso racional dos recursos naturais, buscando uma melhoria na qualidade e nas condições da vida humana”, segundo o Dicio.com.br.

[5] Hacienda poderia ser traduzido como “fazenda” em português. São termos similares, mas que guardam especificidades culturais e históricas da formações de cada tipo de colonização (espanhola ou portuguesa). Mantive em espanhol o termo por isso e levando em conta também que ele aparece assim no texto em inglês.

[6] Provavelmente ele se referia ao artigo de 2012 de Patricia Ávila-García e Eduardo Luna Sánchez sob o título de “The Environmentalism of the Rich and the Privatization of Nature” (“O Ambientalismo dos Ricos e a Privatização da Natureza”).

Wesley Sousa

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