Título original: 'Sozialistsches Ziel und neue Arbeiterbewegung. Zur Kritik der sowjetischen Produktionsweise'
Publicado no Gemeinsame Beilage, N. 1. (30.11.1984).
Tradução: Marcos Barreira
Extraído do site Consciência
Para uma crítica do modo de produção soviético
Não apenas na RFA, a esquerda parece ideológica,
teórica e politicamente esgotada e desmantelada, isso apesar da crise mundial
do capitalismo. A força explicativa e mobilizadora do marxismo autêntico,
embora nunca tenha sido tão adequada quanto hoje, já não pode ser realizada.
Talvez justamente porque o conjunto da esquerda tenha acolhido com entusiasmo a
mal-afamada divisa de E. Bernstein segundo a qual “o movimento é tudo; a meta
final, nada”. Em certo sentido, isso também se aplica à ala revolucionária da
esquerda, que não se cansou de elaborar inúmeras estratégias para “chegar à
revolução”, mas permaneceu sempre particularmente vaga quanto ao conteúdo do
objetivo socialista. De maneira irrefletida e inquestionável, a formação social
surgida da Revolução de Outubro foi aceita, para o bem e para o mal, como
“socialismo real”. A crítica a esse “socialismo real” permaneceu externa, moral
ou democrático-burguesa; as posições apologéticas, bem como as críticas se
entrincheiraram em décadas de repetidas guerras de posição e estão agora
apodrecendo em conjunto. Mas o processo de desenvolvimento social continuou em
novos e mais altos níveis, por trás das costas não apenas dos teóricos
burgueses, mas igualmente dos teóricos da esquerda. O fato de a crise mundial do
capitalismo andar de mãos dadas com a crise mundial do “socialismo real”
paralisou a esquerda e levou a uma fuga em massa para as reacionárias e
irracionais ideologias de classe média. Mas uma saída real da crise por parte
de um novo movimento operário revolucionário só pode ser encontrada mediante a
reformulação do objetivo socialista, que deve passar por uma crítica
materialista do antigo movimento operário. O que está na agenda não é nem a
impotente manutenção da tradição, nem o flerte “tático” com o movimento de
classe média hoje dominante na superfície social (ou mesmo a desafortunada
união de ambos na forma da NHT),[1] mas um
esclarecimento impiedoso da questão de por que o comunismo, apesar de um
desenvolvimento capitalista para além do seu amadurecimento, ainda não foi
capaz de triunfar? Um debate sobre o objetivo socialista é inevitável se a
esquerda marxista quiser encontrar o caminho de volta a si mesma.
Economia de tempo e lei do valor
Ao contrário da percepção da crença popular, os
fundadores do marxismo extraíram conclusões concretas da crítica da economia
política do capital para a “construção do socialismo”. Essencial é a “economia
do tempo”, que, segundo Marx, é válida para todas as formações sociais
históricas. Uma quantidade limitada de fundos de tempo está sempre à disposição
das pessoas, tanto individual quanto socialmente, e deve ser distribuída entre
as várias atividades necessárias. Nas sociedades originais, que não produzem
mercadorias, com pouca socialização material do trabalho (geralmente pequenas
comunidades diretamente geridas), essa distribuição dos fundos de tempo é
regulada naturalmente e pelo costume, é “direta”, sem quaisquer instâncias de
mediação social. É diferente no nível da produção de mercadorias, o que implica
uma divisão social ampliada do trabalho e, portanto, maior conexão social com
base em forças produtivas mais desenvolvidas. A distribuição do fundo de tempo
social nos variados trabalhos parciais ainda ocorre naturalmente, mas não é
mais “direto”. Pois a regulação do conjunto do trabalho social, ainda
intimamente relacionada ao contexto natural, se divide em trabalhos
privados separados, que, como se sabe, revelam a divisão social do
trabalho apenas como troca no mercado. Como a socialidade da
produção não existe diretamente na própria produção, mas só pode existir na
troca e, portanto, não há controle social do não obstante desenvolvimento
social, surge no intercâmbio de trabalhos privados separados o problema
da equivalência. De modo ideal-típico, teriam de ser trocadas
quantidades iguais de trabalho médio socialmente necessário (“abstrato”),
objetivado nos produtos. Realmente, no entanto, isso acontece apenas na média e
por fricções do processo de troca: a proporcionalidade da relação entre o fundo
social de tempo e o trabalho social parcial (conhecido na economia como o
problema de alocação de recursos) só se estabelece por meio da
desproporcionalidade. A razão para isto é que a “economia do tempo” na produção
de mercadorias já não aparece diretamente, como nas comunidades naturais, mas
apenas indiretamente como um real reflexo das mercadorias umas nas
outras. Nem tanto: em uma mesa, por um lado, e duas cadeiras, por outro
lado, há duas horas de trabalho social cada, porém: uma mesa “vale” duas
cadeiras. Mesmo nos primeiros estágios da produção de mercadorias, essa relação
produziu o dinheiro como uma “mercadoria geral” (equivalente geral), e cada
rastro da economia de tempo realmente subjacente ao trabalho social foi apagada
da consciência (fetichismo da mercadoria). A lei do valor como lei fundamental
da produção de mercadorias não é, portanto, idêntica à lei geral da economia de
tempo aplicável em todas as sociedades, mas apenas a sua manifestação histórica
particular nas sociedades produtoras de mercadorias. A lei do valor não
significa apenas que o “valor” é baseado em quantidades de trabalho social
humano abstrato (teoria do valor-trabalho), mas que a abstração do trabalho é
realmente encarnada como “abstração real”, como um reflexo real das mercadorias
entre si e como dinheiro.
O capitalismo é a continuação da produção de mercadorias por outros meios.
Dentro das ramificações do trabalho social que existem como trabalhadores
privados separados, ele impulsiona um novo nível “interno” de divisão do
trabalho que, por um lado, aumenta enormemente a força produtiva do trabalho e,
por outro lado, transforma a própria força de trabalho humana em mercadoria e
generaliza o caráter mercantil anteriormente marginal dos produtos (destruição
da produção de subsistência, transformação de camponeses em assalariados
industriais, capitalização da economia rural). Através do uso da maquinaria
mediada pela concorrência, esse processo será impulsionado sobre as bases do
capitalismo em formas cada vez mais elevadas. O capital estabelece uma
contradição que não pode ser resolvida com base na produção de mercadorias: por
um lado, a produção continua a se basear na lei do valor, cujo domínio é até
mesmo generalizado; por outro lado, é a condição material desse
mesmo processo que mina a lei do valor, dissolve o trabalho privado separado no
nível técnico-material e reúne o trabalho social em um nível superior. Esse
novo estágio de socialização do trabalho é evidente em três níveis:
1.
A divisão do trabalho entre ramos individuais de
produção é ampliada por meio da divisão do trabalho no interior dos ramos da própria
produção.
2.
Os diversos ramos da produção penetram uns nos
outros, os limites claros entre eles (ainda rígidos no sistema de guildas) se
embaraçam e se dissolvem.
3.
A produção total torna-se cada vez mais dependente
de uma gigantesca infraestrutura social, cujo desempenho não pode ser
compreendido (faβbar) em termos de valor, mas conduz o aumento constante
da produtividade do trabalho material (ciência, formação, comunicação, etc.).
Assim, a produção baseada em valor tende a colapsar, o capital carrega em si
mesmo um limite lógico e histórico que se torna visível em uma escalada de
crises devastadoras. O invólucro capitalista deve romper-se.
A essência econômica do socialismo
O socialismo não pode significar outra coisa do que
levar em conta também economicamente a socialização material da
produção conduzida pelo capital. A socialização técnico-material também deve
aparecer como socialização socioeconômica. Isso significa a superação da
produção parcial privada ou social, mantida à força e formalmente pelo capital,
e sua substituição pela coletividade, como produção coletiva, operada e
controlada pela sociedade como um todo. Com isso, no entanto, a lei do valor
não mais se sustenta como uma forma histórica particular da economia do tempo.
A substituição da produção social indireta (produção de
mercadorias) pela produção social direta (materialmente
socializada) também exige que a economia do tempo não seja representada
indiretamente como “valor”, como um reflexo real das mercadorias entre si, como
dinheiro (e, portanto, necessariamente por trás das costas dos produtores), mas
que seja tomada diretamente e manejada pelos produtores autoconscientes em sua
produção socializada como o que é: distribuição do fundo de tempo social para
as diversas atividades de acordo com um plano comum. Desse modo, a lei
universal da economia do tempo reaparece imediatamente, embora não mais como
nas comunidades naturais e com base no mero contexto natural, mas a partir da
própria socialização das pessoas.
Disso se deduz que a lei
do valor e o socialismo são completamente incompatíveis. Das duas, uma: ou a
produção se torna realmente social, de modo que os produtos não poderiam mais
ser representados como “valor”, nem aparecer duplicados de modo fantasmagórico
como dinheiro em sua forma de valor, ou a socialização continua indireta, como
forma-valor dos produtos, sem que exista qualquer produção social comum ou
direta. A superação da lei do valor não é o limite superior do socialismo, sua
transformação em “comunismo consumado”, mas seu limite inferior,
seu ponto de partida. Do ponto de vista econômico, a abolição da
lei do valor é idêntica à ruptura do invólucro capitalista.
Não há dúvida de que tal visão – a única autenticamente marxista – está em flagrante contradição com a “discussão marxista” travada há décadas sob o diktat da formação social que surgiu da Revolução de Outubro. Por mais antagônicas que sejam as posições nesse debate, em um aspecto elas são notavelmente parecidas: a abolição da lei do valor é adiada para um futuro cada vez mais distante, e essa formação é declarada de um modo ou de outro como “sociedade de transição” que se estende por um período para sempre indefinido. Na maior parte, a validade da lei do valor e a existência da produção de mercadorias são consideradas constitutivas de toda a “fase inferior do comunismo”, i.e., do socialismo. Posições grosseiramente revisionistas como essas se afastam do marxismo. Sem dúvida, medidas transitórias são necessárias à transformação econômica da sociedade, que em alguns aspectos levam apenas poucos meses, em outros aspectos talvez um período de alguns anos. No entanto, é completamente ridículo supor que, após quase sete décadas (como na União Soviética) ou depois de quatro décadas (como nos países “democrático-populares”), a lei do valor e o caráter mercantil da produção deveriam ser uma expressão do “socialismo”. À Luz da crítica marxiana da economia política, tal idéia é simplesmente grotesca. Essa visão não pode ser justificada mesmo com referência a uma distribuição desigual com base nos “remanescentes do direito burguês” de Marx no período de transição do socialismo (Crítica do programa de Gotha). A distribuição de acordo com a capacidade é perfeitamente possível para o tempo de trabalho, o que não exige minimamente a lei de valor e a produção de mercadorias. Às vezes, por ignorância ou contra melhor juízo, afirma-se que Marx rejeitou a remuneração por desempenho através dos cupons de trabalho (certificados de pagamento por trabalho social) como uma “utopia anarquista”. É exatamente o oposto. Marx está criticando Proudhon, Gray e outros por confundirem os cupons de trabalho socialistas com o “dinheiro” (“dinheiro do trabalho”), porque teoricamente eles não vão além do horizonte da produção de mercadorias. Marx prova que uma medição direta do desempenho social do trabalho em uma troca de trabalhos particulares separados (como Gray tinha em mente e, em seguida, Proudhon, de forma vulgarizada) não é possível; a consequência, entretanto, não é a negação da distribuição por cupons e sim a abolição da produção de mercadorias. Todas as teorias que afirmam a compatibilidade da lei do valor com o socialismo (ou como o astuto Ernst Mandel que, para evitar essa dificuldade, criou o monstrengo teórico de uma “sociedade de transição” para a sociedade de transição do socialismo) não são apenas falsas e ilógicas, mas, ao mesmo tempo, uma ideologia de circunstâncias reais. A vigência real da lei do valor no Bloco Oriental remete à existência não menos real das relações de exploração. Não é verdade que o caráter geral de mercadoria da produção foi limitado pelo fato de a força de trabalho já não ser uma mercadoria, mas antes o contrário: apenas porque a força de trabalho permaneceu em si uma mercadoria (ou se tornou, como na maior parte da população camponesa do Oriente) é que os produtos aparecem como mercadorias. Se a força de trabalho é privada, a produção não pode ser comum. A transformação da força de trabalho humana em mercadoria e sua utilização com base na produção geral de mercadorias, no entanto, permanece a essência de um modo de produção capitalista, no qual podem ocorrer formas específicas. No entanto, resta esclarecer como é que esse “capitalismo do Oriente” pôde se desenvolver contrariamente às intenções dos bolcheviques e no que a sua forma difere daquela do capitalismo ocidental.
O dilema da Revolução de Outubro
Depreende-se logicamente da teoria de Marx que, em
termos econômicos, a revolução socialista só é possível a partir de certo grau
de amadurecimento da socialização capitalista. Por outro lado, em condições
específicas, o proletariado pode tomar o poder político (relativo)
independentemente desse grau de amadurecimento do processo de socialização
material. Nesta relação de tensão, se resolve o dilema da Revolução de Outubro.
Lenin e os bolcheviques estavam plenamente conscientes disso. Não poderia haver
dúvida de que a Rússia, em seu conjunto, não havia sequer alcançado o grau
mínimo de amadurecimento da socialização capitalista da produção. O que Lenin
desenvolveu (e, portanto, sua doutrina era superior à da socialdemocracia
ocidental) foi, pela primeira vez, uma estratégia política internacional da
revolução, baseada nas condições da Primeira Guerra Mundial imperialista: a
revolução russa, dirigida contra um tzarismo totalmente ultrapassado e como elo
mais fraco na cadeia das classes inimigas, deveria dar o impulso inicial para a
revolução proletária nos países desenvolvidos da Europa Ocidental. Com o apoio
econômico de um socialismo ocidental, e somente com esse apoio, o poder
proletário no Leste poderia então contar com uma chance econômica de
sobrevivência e saltar as etapas essenciais do desenvolvimento do capitalismo.
O acerto de contas estava próximo, mas não veio. Lenin havia subestimado a
amplitude e a profundidade do reformismo do movimento operário ocidental e
superestimado o nível de maturidade do processo de socialização ocidental da
produção material, tal como, antes, em parte, os próprios Marx e Engels. Assim,
a tragédia da Revolução de Outubro estava anunciada. Tão logo ficou claro que a
União Soviética pretendia fazer brotar a acumulação originária
(industrialização) com seus próprios esforços, sem apostar mais na revolução
dos operários ocidentais, o poder socialista foi condenado à morte. Pois a
produção socializada (socialista) significa gestão e controle coletivos da produção,
e assim também a superação pelo menos das formas mais grosseiras de divisão
capitalista do trabalho; caso contrário, a lei do valor não pode ser superada.
No entanto, as forças produtivas desenvolvidas como base para um fundo de tempo
social “excedente” já são um pressuposto para isso. A
acumulação originária é precisamente o oposto, a saber, a permanente absorção
de massas de trabalho excedente dependentes de salários – e, nesse sentido,
sua essência era integral e forçosamente capitalista.
Mas a decadência do poder socialista na Rússia não poderia ser alcançada por
meio de uma contrarrevolução da antiga burguesia russa. Ela era demasiado
fraca, desde a dependência do czarismo e do capital estrangeiro até a sua
completa destruição pela Revolução de Outubro. A inevitável contrarrevolução só
poderia vir de dentro, de um processo de transformação do próprio partido
bolchevique. Em apenas uma fase na história soviética esse roll back foi
possível de um modo frio e de dentro para fora, ou seja, a
etapa após a morte de Lenin e após o fim da guerra civil, em meados dos anos
vinte. Assim como Lenin, já perto da morte, havia analisado em artigos e
rascunhos durante os últimos anos e meses de sua vida, o proletariado
industrial original e numericamente pequeno já havia sido destruído e exaurido
durante essa fase da revolução e da guerra civil. Não havia mais nenhuma base
social real para a revolução socialista quando o partido dominante rapidamente
se transformou em um aparato de poder separado e “flutuante”. Sob Stalin, esse
aparato foi transformado, em seu caráter econômico, na máquina capitalista da
acumulação originária. Nesse sentido, todas as teorias da “restauração” estão
desde o início no caminho errado, colocando apenas o pseudo-acerto de contas de
Khrushchev com o stalinismo em 1956 como a data sinistra de uma suposta
contrarrevolução. Seria também muito estranho que um “poder operário”, após
décadas de domínio, subitamente afundasse sem qualquer barulho, nem grandes
colisões ou distúrbios. De fato, em termos econômicos, aparte algumas medidas
de emergência fulgurantes do “comunismo de guerra”, nunca existiu um modo de
produção socialista na União Soviética. Na fase de esgotamento geral, após a
guerra civil, a morte de Lenin e diante da ausência da revolução no Ocidente, o
poder político socialista foi transformado de maneira “fria” em uma máquina da
acumulação capitalista originária. O stalinismo é apenas o reflexo ideológico
desse desenvolvimento não compreendido.
O capitalismo de Estado soviético
Em face de um mercado mundial já altamente organizado e de países imperialistas desenvolvidos, a acumulação originária na União Soviética teve que seguir formas diferentes daquelas do Ocidente. Devido à pressão econômica externa, ela não podia mais se desenvolver lentamente a partir do movimento de concorrência do seu próprio mercado interno, mas teve de ser produzida rapidamente por meio de uma administração capitalista de Estado centralizada. Todas as formas designadas como “socialistas”, como o plano central, a absorção estatal centralizada de mais-valia, a autoridade centralizada de investimento estatal, o monopólio do comércio exterior, etc., nada mais são do que componentes necessários dessa máquina capitalista de Estado. Com base na lei do valor e na produção de mercadorias, eles não poderiam fazer outra coisa. Com a formação desse modo de produção capitalista de Estado, formou-se inevitavelmente uma classe dominante estatal capitalista de comandantes da produção e apropriadores estatais da mais-valia. Desde então, essa acumulação capitalista originária e recuperadora tornou-se um modelo para todos os países que pretendiam romper com o cerco colonial ou neocolonial e avançar para uma base autônoma de acumulação. Daí a afinidade dos movimentos de guerrilha, mas também em parte dos golpes de Estado militares de “esquerda”, ditadores, etc. do “Terceiro Mundo” com a União Soviética. Tais desenvolvimentos, que estão sempre acontecendo ideologicamente sob essa máscara “socialista”, economicamente só podem ser um capitalismo de Estado de acumulação originária recuperadora, cuja natureza não é de modo algum modificada por designações eufemísticas como “via de desenvolvimento não capitalista”. De acordo com os recursos naturais e humanos existentes, a acumulação capitalista de Estado pôde continuar até certo ponto, o que até agora só foi possível em grandes países como Rússia e China, ou deve retornar a uma forma de dependência econômica. Com o surgimento do capitalismo de Estado na União Soviética, no entanto, foram estabelecidas novas contradições insolúveis. Estas apareceram apenas ligeiramente na industrialização feita do nada. No entanto, assim que este processo foi concluído em termos gerais, i.e. com a realização de sua própria base industrial pesada, um fornecimento organizado de energia e eletrificação, bem como um sistema de transporte e comunicação, etc., essa contradição entre a produção de mercadorias e a centralização capitalista de Estado começou a se afirmar. Após alcançar a industrialização, para a qual ela foi realmente funcional, a burocracia capitalista estatal precisava se tornar completamente disfuncional na tarefa de ingressar competitivamente no mercado mundial e iniciar um processo de desenvolvimento intensivo (produção de mais-valia relativa) nas condições do mercado mundial. A tarefa de “planejar o mercado”, isto é, todo controle consciente das funções por natureza inacessíveis da sociedade de produção de mercadorias (fluxo de valores de câmbio, preços, salários), o seu “planejamento” social consciente (e nada mais é o mecanismo de planejamento no bloco oriental), deve tornar-se irremediavelmente insolúvel. Na superfície, isso é demonstrado pelo fato de o bloco oriental ter ficado para trás em termos de produtividade do trabalho em relação ao Ocidente desde os anos 1950, recusando-se a pagar por importações caras de tecnologia e provando, portanto, a pura ilusão do “alcançar e ultrapassar”.
Nesse contexto, a crítica superficial do sistema stalinista desde Khruschev
deve ser vista a partir de então como um debate interminável sobre reformas
econômicas, que aponta sempre apenas na direção de um desenvolvimento mais
forte dos elementos de mercado e concorrência. Mas as verdadeiras reformas
“baseadas no mercado” foram neutralizadas por meio da expansão dos interesses
do próprio aparato capitalista de Estado e da sua dinâmica própria que
entrementes se desenvolvia. A partir desse contexto, fica claro que a
transferência forçada do sistema soviético capitalista de Estado para os países
já industrializados, como RDA ou Tchecoslováquia, foi, desde o início,
disfuncional e reacionária. A grave crise de todo o bloco do Leste como um
capitalismo conduzido, por assim dizer, com o freio de mão puxado, deve evoluir
inexoravelmente e é provável que, além disso, leve a graves colisões sociais.
Através do mercado mundial, a crise do capitalismo do Leste funde-se com a do
Ocidente, que corre sem freios para o precipício de um colapso da lei do valor.
Não resta mais nada para a humanidade no Leste e no Ocidente, a não ser
interromper a produção de mercadorias ou afundar junto com este modo de
produção.
As tarefas da esquerda revolucionária
As lutas reais da classe operária no atual processo de crise e alteração no capitalismo mundial não têm, finalmente, espaço neste modo de produção; elas só podem ter uma perspectiva se forem combinadas com a orientação estratégica de uma reformulação do objetivo socialista. Tal perspectiva pode ser desenvolvida pela esquerda revolucionária apenas por meio da crítica da regressiva ideologia de classe média “crítica das forças produtivas” e suas reacionárias implicações políticas nacionalistas ou “regionalistas”. Pois que a abolição da produção de mercadorias só é possível no plano internacional através de uma revolução operária socialista pan-europeia. A recusa de todas as fantasias reacionárias de “unificação” de bitola estreita da esquerda nacionalista, por um lado, e a reformulação do objetivo socialista como crítica do antigo movimento operário e do capitalismo de Estado soviético, por outro lado, são duas faces da mesma moeda.
[1] “A “Nova Teoria Principal” (NHT) foi uma elaboração teórica surgida no início dos anos 80 em Gelsenkirchen como parte do contexto de dissolução do Movimento “ML” alemão. [NdT]