Livorno e a ideologia e antifascismo no futebol italiano

Arquibancada lotada em jogos do Livorno (Foto: Gabriele Maltinti/Getty Images)


Na contramão da maré, o Livorno prega das arquibancadas, o fim do ódio às diferenças

 Por Lara Pereira - em seu blog pessoal.

Data 22 de Agosto de 2018.

A Itália também tem seu lado vermelho. O AS Livorno Calcio, equipe que disputa a Série B italiana [no texto de 2018], não esconde suas ideologias políticas em suas arquibancadas. Ao contrário da Lazio e os Irriducibili, os vermelhos representam a esquerda no país da bota quando o assunto é calcio.

Por ser uma cidade portuária, Livorno recebeu muitos navios ingleses no começo dos anos de 1900 e a chegada dos estrangeiros também significou a consolidação do esporte bretão na região. O clube, que carrega o mesmo nome da cidade, foi fundado em 1915 e logo se tornou símbolo dos trabalhadores desde o princípio de sua fundação.

Essa junção entre trabalhadores e instituição esportiva faz das arquibancadas livornesi um manifesto político. No estádio Armando Picchi, é possível encontrar bandeiras vermelhas com a foice e martelo além de bandeiras estampadas com os rostos de Che Guevara e Lênin. O grito que ecoa nas arquibancadas é um só: resistência.

“Não há torcedor do Livorno que não seja de esquerda. Aqui somos todos comunistas”, afirma um torcedor da equipe, em entrevista à BBC Brasil.

O movimento popular de esquerda da torcida vermelha teve início em 1975 com a fundação da organizada Ultras Livorno. Em 1999, nasceram as famosas Brigate Autonome Livornesi (BAL), que tinham como intuito unificar todas as torcidas em prol do clube.

As Brigadas do Livorno sempre tiveram destaque ao se posicionar contra o fascismo e os apoiadores da extrema-direita com cânticos como “Bandiera Rossa” e “Bella Ciao”. Por condenarem abertamente a ideologia fascista, a BAL promoveu a Fronte di Resistenza Ultra, uma espécie de unificação das torcidas especialmente contra os hooligans da Lazio.

Ao lado do tributo em homenagem ao ex-jogador Morosini, um cachecol com o rosto de Che Guevara (Foto: Gabriele Maltinti/Getty Images)

A relação entre as torcidas laziali e livornesi vêm de longa data. Ideologicamente opostas, a torcida amaranto luta contra os ideais fascistas e vê na Lazio sua maior rival política. Apesar de não figurarem na mesma divisão, o embate entre as torcidas extrapola as quatro linhas. Recentemente, os Irriducibili, ultras laziali, proibiram a presença de mulheres nas primeiras filas da Curva (setor da arquibancada destinado às organizadas) e em resposta aos hooligans rivais, o Livorno se manifestou através de suas redes sociais.

“Um vermelho entre nós”: Cristiano Lucarelli

 

Em homenagem à Brigate Autonome Livornesi (BAL), Lucarelli usava a camisa 99 (Foto: Gabriele Maltinti/Getty Images)

Ídolo do Livorno e figura ativa na luta pela resistência, o atacante Cristiano Lucarelli se tornou símbolo de uma ideologia ao manifestar dentro de campo sua posição política comemorando seus gols com o braço esquerdo erguido e o punho fechado. Torcedor amaranto declarado, a identificação do ex-camisa 99 com o clube (e com a cidade) não para por aí.

Cristiano é dono da Lucamat, um pequeno conglomerado de empresas sob o seu comando na qual nasceu com o intuito de ajudar a população local. Sua decisão em investir no mundo dos negócios surge em paralelo com seu amor pela cidade. Quando o porto da cidade enfrentou um terrível momento de crise, que chegou a afetar mais de 350 famílias locais, Lucarelli interveio. O ex-jogador conseguiu a ampliação do local junto das autoridades e promoveu a unificação do trabalho dos portuários sob a responsabilidade da Unicoop, um dos braços da Lucamat, na qual hoje pertencem mais de 180 trabalhadores.

Aposentado em 2012, Lucarelli se dedicou a carreira de treinador e desde então assumiu equipes de menor porte ou categorias de base para testar seu trabalho. Sem deixar de lado o clube que ama, o ex-jogador está de volta à instituição seis anos depois de pendurar as chuteiras para tentar escrever mais um belo capítulo na sua história com o Livorno.

Nota final atualizando:

A história do Livorno nos prova que o futebol é muito mais do que resultado e títulos. Pois, o Livorno, assim como Lucarelli, Miccoli, etc. nunca foram fantásticos: oscilou entre as divisões, e, agora, atualmente se encontra na 4° divisão. E o pior, com uma grave crise financeira, com riscos de fechar as portas. Também nunca levou o Scudetto (Campeonato Italiano Série A). Se serve de alento, o clube desempenha um papel essencial na defesa do futebol popular e na promoção de ideais antifascistas e comunistas, conjugando dois aspectos fundamentais da vida de seus torcedores, o futebol e a vida política.

Bandeira homenageando o ex-jogador do clube Miccoli, que também jogou em outros clubes da Itália e em Portugal.


Wesley Sousa

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