Um de nossos colaboradores (e estudioso da História comtemporânea, com ênfase em teoria politica), Ricardo Silas, deixou um post em seu perfil pessoal um pedaço de uma entrevista ao filósofo e linguista Noam Chomsky.
Segue abaixo o trecho da
entrevista do Noam Chomsky com o jornalista David Barsamian, extraído do livro “Sistemas
de Poder”:
BARSAMIAN: Certa vez, Howard Zinn
comentou: “Há uma fraqueza fundamental nos governos - por mais poderosos que
sejam seus exércitos, por mais ricos que sejam seus tesouros, por mais que
controlem as informações passadas ao público -, seu poder depende da obediência
dos cidadãos, dos soldados, dos funcionários civis, dos jornalistas e
escritores e professores e artistas. Quando essa gente começa a desconfiar que
foi enganada e retiram seu apoio, o governo perde a legitimidade e o poder”. Também escreveu que as pessoas “sabem
com suprema claridade – Quando sua atenção não está concentrada pelo governo e
pela mídia em combates de guerra - que o mundo é governado pelos ricos.”
CHOMSKY: Isso está basicamente
correto. E, aliás, sem tirar nada de Howard, trata-se de um velho princípio.
Acho que talvez a sua formulação clássica tenha sido dada por David Hume em “Dos
primeiros princípios do governo”, onde mostrou que “a força está sempre do lado
dos governados”. Seja ela uma sociedade militar, uma sociedade parcialmente
livre ou o que nós - e não ele - chamamos de Estado totalitário, são os
governados que detêm o poder. E os governantes têm de descobrir maneiras de
impedir que eles exerçam esse poder. A força tem seus limites, portanto eles
precisam usar de persuasão. Precisa, de algum modo, descobrir um jeito de
convencer as pessoas a aceitarem a autoridade. Se não conseguirem fazer isso,
tudo vai abaixo. Quando a coerção já não funciona, é preciso recorrer à
persuasão. Nas sociedades ricas e desenvolvidas, isso se tornou uma forma de
arte. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, as sociedades mais livres cerca de
um século atrás, isso era claramente reconhecido pelos líderes, pelo Partido
Conservador na Grã-Bretanha, pelos intelectuais nos Estados Unidos, que já se
chegara ao limite da coerção. O povo conquistara liberdades demais – partidos
parlamentares trabalhistas, sindicatos de trabalhadores, grupos de direitos das
mulheres. Assim, era preciso recorrer ao controle dos comportamentos e da
opinião. Esta é a origem da indústria de relações públicas. Edward Bernays, o
guru da indústria americana de relações públicas, um progressista liberal,
exprimiu a ideia geral, que não era nova para ele: “A nossa deve ser uma
democracia de liderança administrada pela minoria inteligente, que sabe como arregimentar
e guiar as massas”. Temos de algum modo de persuadir ou mudar o comportamento
da população, para que ela se disponha a nos ceder parte do poder. Todos os que
apresentam esse tipo de perspectiva fazem sempre parte da "minoria inteligente".
E o modo como fazemos isso é pela propaganda. O termo era usado abertamente na
época. Na realidade, Bernays deu a seu livro o título inglês de Propaganda. A
palavra inglesa ganhou más conotações na década de 1930, mas antes disso era usada
abertamente (como em português ainda hoje). Hoje é chamada de publicidade ou
relações públicas.
São estas as fundações das indústrias
de controle de opiniões e comportamentos, que levam as pessoas ao consumismo e
as marginalizam de diversos modos. Enormes somas são destinadas a isso. O
marketing é sobretudo uma forma de propaganda. Se todos acreditassem nos
mercados, o que só os ideólogos fazem, mas se, por exemplo, as empresas
acreditassem nos mercados, não fariam nada parecido com o marketing que fazem hoje.
Se você fizer um curso de economia, eles lhe ensinam que os mercados se baseiam
em consumidores informados que fazem escolhas racionais. Mas as empresas
destinam rios de dinheiro para tentar criar consumidores desinformados que
fazem escolhas irracionais. Isso é evidente assim que observamos uma
propaganda. Se tivéssemos um sistema de mercado, a General Motors, por exemplo,
colocaria um anúncio de trinta segundos na televisão, dizendo: “Estas são as
características dos carros que vamos vender no ano que vem”. Eles obviamente
não dizem isso, porque pretendem arruinar o mercado.
Aliás, os líderes políticos e
empresariais querem solapar a democracia do mesmo jeito. Aprendemos na oitava
série que a democracia é constituída por eleitores informados que fazem escolhas
racionais, mas os partidos políticos decerto não acreditam nisso. É por isso
que eles têm slogans, usam de retórica, cartazes de propaganda, eventos espetaculares,
tudo, menos dizer: “É isto que vou fazer. Vote em mim”. Portanto, o medo e o
ódio dos mercados e da democracia têm basicamente as mesmas raízes.
A observação está
basicamente correta, repito. Hume foi a primeira pessoa a articulá-la com
clareza, que eu saiba. O público tem mesmo poder, e é a tarefa dos poderosos e
de seus lacaios - os sacerdotes, os intelectuais, outros - tentar
marginalizá-los, manter o público afastado do poder. Temos Walter Lippmann, o
grande e célebre intelectual público do século XX, também ele um progressista,
dizendo que temos de proteger os homens responsáveis, a minoria inteligente, do
“tropel e estrondo da plebe desnorteada”. É a isso que a colossal indústria da
propaganda se dedica.