A censura da arte e a hipocrisia moralista

A mulher amaldiçoada.
La femme damnée é um óleo sobre tela de autoria do francês Octave Tassaert e foi criada em 1859.


Censura e ditadura


No excelente artigo anterior a este, do camarada Frederico Lambertucci, ele expôs sua análise sobre o caso da arte Queer em Porto Alegre censurada pela ação de grupos religiosos e pelo protótipo fascista grupo financiado por empresários e políticos, o MBL (Movimento Brasil “Livre”).

No entanto, sobre a censura, você já deve saber, da Exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença Brasileira”, promovida pelo Santander Cultural em Porto Alegre fora fechada. Isso se deu, pois a mostra, acusada de promover pedofilia, zoofilia e debochar de símbolos religiosos, teve forte repercussão nas redes sociais. O Santander cedeu e encerrou a exposição. O tema envolvia arte e ideologia, dinheiro público e marketing corporativo, fé, sexo, dinheiro. 

Lambertucci acertadamente comenta que “É evidente que o fenômeno da sexualidade é marcadamente presente na sociabilidade burguesa, já que na cisão do público e privado a religião teve de subsistir na vida privada, e perdendo sua dimensão propriamente “jurídica” na reprodução dessa nova forma de sociabilidade adequou-se como uma forma ideológica de explicação de mundo vinculada ao caráter fetichista da mercadoria e a aparente exterioridade do mundo frente ao indivíduo [...]”.

Fazendo um apanhado histórico, no dia 31 de março de 1964, um golpe pôs fim à frágil democracia brasileira, dando início a uma ditadura empresarial-militar. Com medo do presidente João Goulart desse um “desvio” à esquerda, os militares tomaram o poder com ajuda determinante dos EUA. Os tanques ocuparam as ruas, com apoio de boa parte da população (os nossos “paneleiros-cidadãos-de-bem”). Os generais chegaram ao poder e com eles vieram à repressão e a censura.

O professor e Historiador Humberto Matos, alega que “qualquer semelhança com a Itália do início dos anos 20, período da ascensão do fascismo, ou qualquer semelhança com o Brasil da virada dos anos 60 para os 70, em plena ditadura, não é mera coincidência.”.

E ainda complemento recapitulando um fato curioso: na ascensão de Hitler, em determinado momento, os nazistas promoviam “fogueiras de livros” como forma de eliminar quaisquer formas de literatura, filosofia, artes, etc. que seriam consideradas subversivas ao regime, como aconteceu no ano de 1933.

Uma notícia datada do dia 14 deste mês, do Congresso em Foco, tem o seguinte título: “Deputados evangélicos inspecionam mostra sobre ditadura, e não encontram o que censurar”. A visita dos deputados da “bancada evangélica” ao Museu Nacional em Brasília foi organizada por Takayama (PSC-PR). Além dele e Marco Feliciano (PSC-SP), também participaram os deputados Arolde de Oliveira (PSC-RJ), Lincoln Portela (PRB-MG), Marcos Soares (DEM-RJ) e Luciano Braga (PRB-BA). Ironicamente – para não dizer trágico – a exposição tinha nome de “Não matarás”.


A censura da arte e a hipocrisia moralista


A arte é a subjetividade humana em objetivação. Desde a Antiguidade, a arte foi forma de expressão e modo de conhecimento das sociedades primitivas. Na Grécia Antiga, ela explicitava a forma de vida da pólis. Como este texto não terá uma rigorosidade acadêmica, tentarei ser o mais breve possível.

Vale lembrar que como o professor Cassio Oliveira argumenta, doutor em Estética e Filosofia da Arte pela UFMG, numa entrevista ao ELPaís Brasil: “Às vezes querem impedir a divulgação de filmes com conteúdo machista, certas obras não devem ser exibidas porque estão ofendendo movimento de minorias X ou Y. Isso acontece muito hoje. Esse movimento do politicamente correto não é tão novo e é defendido tanto para a direita como para a [parte da] esquerda.”.

Mais adiante, o professor dá um exemplo interessante: “No filme Sem essa, Aranha [1970], Helena Ignez acaricia com o pé um crucifixo. É uma cena que é espantosa para os cristãos provavelmente e feita ali no auge da ditadura militar. Evidentemente havia uma provocação e a arte busca isso.”.

A hipocrisia cristã é algo surreal, pois se estarrecem com expressões artísticas “imorais” (indo contra aos “bons costumes”), mas ao mesmo tempo levam a sério escrituras onde um pai deveria matar seu filho; casos de incesto; estupros e outras coisas mais que seriam “contra os bons costumes”.

A chorumela, lembrando-se do filósofo italiano Norberto Bobbio que diz no livro “Do Fascismo à Democracia”, é o modo pelo qual os reacionários choram seus moralismos contra a “depravação” da sociedade; usa-se do apelo ao ridículo e do consenso acrítico da massa alienada politicamente para impregnar a ideia da não liberdade de expressão.

Continuando, o avanço dessas forças reacionárias não é algo novo e nem está aí por inconveniência. Esses avanços têm explicações reais e factíveis. São personificações da consciência regredida das classes trabalhadoras; pelo irracionalismo vinculado à ordem do capital; pelo “pacto” de classe pueril, ingênuo, onde se abriu margem para minar a consciência política; e também no desenvolvimento da consciência crítica da estética e na luta contra o imperialismo.

Ilusões nutridas ao longo dos anos que, no findar, deu-se o ovo da serpente. Não é surpresa Bolsonaro ter o apoio que tem. Se existe Bolsonaro com amplo apoio é porque existem muitos que pensam como ele – obviamente. A crise que nos encontramos é muito mais que crise econômica (esta é só uma ponta do Iceberg e bode expiatório para a continuidade da exploração do trabalhador): é crise estrutural e ideológica! Lembrando Gramsci, em seus “Cadernos do Cárcere”: “[...] neste interregno, mórbidos sintomas reaparecem.”.


Wesley Sousa é graduando em Filosofia pela UFSJ. Editor e regularmente escreve para a Acervo Crítico.
Wesley Sousa

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