Por
David Deccache – mestre em Economia pela UFF.
Publicado
originalmente no site Palanque
Aberto
Ao
contrário do que se fala frequentemente nos bate-papos de mesa de bar, a carga
tributária no Brasil não está entre as mais altas do mundo. Só para vocês terem
uma ideia, enquanto na França a carga tributária “come” 45% de tudo que os
franceses produzem (PIB), no Brasil nossa carga está próxima dos 33% do PIB,
portanto bem abaixo do patamar pago pelos franceses. Para estendermos a
comparação, é bom lembrar que nossa carga tributária está, também, abaixo da
média dos países da OCDE (uns 35% do PIB).
Então aquele papo de mesa de bar sobre a nossa carga tributária ser a maior do mundo está totalmente errado? Sim e não.
Eu
sei que “sim e não” é uma resposta um tanto quanto confusa, mas vou tentar
explicar meu ponto:
O
cara que está na mesa do bar, “puto da vida”, alegando que paga muito imposto
no Brasil e que não aguenta mais isso, na verdade não está se referindo ao
agregado da carga tributária em proporção ao PIB, mas sim à proporção que ele,
como indivíduo, paga em relação à sua renda. E nisso ele tem toda razão –
embora, provavelmente, não faça a mínima ideia do porquê disso.
Por
não fazer a mínima ideia do motivo que faz pagar tanto imposto – apesar da
carga tributária do Brasil não ser das mais altas – acaba reproduzindo um monte
de soluções mágicas, simples e… erradas. Dentre as soluções mais comuns está a
velha e ideológica resposta neoliberal a todos os nossos problemas: privatiza
tudo que aí vão parar de nos cobrar tanto imposto. Será!? Talvez o bobinho não
saiba que, se o Estado sair privatizando tudo, a única coisa que vai mudar é
que ele vai continuar pagando os mesmos impostos sem poder usar serviço público
nenhum, mas isso é assunto pra outro papo.
O
que o colega da mesa de bar não percebe é que ele tá pagando muito imposto
porque alguém tá pagando pouco imposto! Isso mesmo, ele, trabalhador comum,
paga uma cacetada de imposto sobre tudo aquilo que consome! Aliás, o Brasil é
um dos países do mundo onde mais se paga imposto sobre consumo. Para termos uma
ideia, no Brasil, mais da metade dos impostos são cobrados sobre as coisas que
consumimos diariamente, enquanto isso, na França, apenas 25% dos impostos são
cobrados sobre o que se consome.
Porém,
a história fica ainda mais sacana quando lembramos que os mais pobres consomem
toda a renda que ganham, ao passo que os mais ricos gastam apenas uma parte da
renda em consumo, poupando a outra parte e ganhando um caminhão de juros sobre
essa poupança. Isso quer dizer que quem mais sente o peso dos impostos sobre
consumo no Brasil é o pobre, ou seja, é o cara da mesa de bar que tá, com toda
a razão, reclamando pra caramba.
Avançando
na comparação, a França, por exemplo, apesar de ter uma carga muito mais alta
que a do Brasil em parâmetros absolutos, consegue não pesar a mão nos impostos
sobre consumo porque cobra muito mais que o Brasil em tributos que recaem sobre
os mais ricos, ou seja, aqueles que incidem sobre a renda e a propriedade. Para
deixar claro aqui do que estamos falando, na França, só para ficar em um
exemplo, a tributação total dos lucros é de 48%, já no Brasil é só de 30%.
Para
termos uma ideia do quanto o sistema tributário brasileiro foi criado para
favorecer os mais ricos (logo para ferrar os mais pobres) é aqui na terra das
jabuticabas um dos únicos lugares do mundo onde não se cobra impostos sobre
dividendos. O outro lugar do Universo conhecido que, assim como no Brasil, não
se cobra impostos sobre dividendos é a Estônia, mas como ninguém conhece a
Estônia, nem dá pra ter muita certeza que esse lugar exista de verdade. Ah, e
pra quem não sabe dividendo – grosso modo – é a renda ou salário dos ricaços e,
para ser mais técnico (e chato) é a parcela dos lucros de uma empresa que é
distribuída aos seus acionistas como remuneração. Logo, sobre uma das principais
fontes de renda dos ricaços, temos zero de imposto.
Meu
amigo, o nosso caso é tão bizarro que cerca de dois terços da renda dos
super-ricos está isenta de qualquer incidência tributária! Para os ricos, todo
tipo de isenção, para os pobres, um caminhão de imposto. Nosso sistema
tributário é tipo um Robin Hood às avessas.
Mas
o Estado brasileiro, não satisfeito em ter uma carga tributária totalmente
injusta – apesar de não necessariamente alta – ainda teima em favorecer os mais
ricos com as suas generosas transferências de renda para a elite. Trata-se da
“Bolsa Selic”, uma espécie de ajuda financeira do estado aos super ricos que
custa, mais ou menos, uns 7% do nosso PIB. Vocês têm noção do que significa
isso? É tipo umas 15 vezes mais do que gastamos com o programa Bolsa Família
que coloca comida na mesa de 50 milhões de pessoas nesse Brasilzão à fora.
Então,
meu amigo, antes de reclamar que a carga tributária no Brasil é muito elevada,
grite em alto e bom som que ela é injusta!
Enfim,
enquanto na Europa está na moda o debate sobre a cobrança de impostos sobre as
grandes fortunas, aqui ainda estamos pagando impostos sobre “as grandes
pobrezas”.
(um detalhe: quando eu falo de elite não estou me referindo ao carinha que acha que é “elite” só porque vestiu a camisa da CBF, bateu panela e gritou fora Dilma. Esse tipinho também só se ferra com nossa carga tributária, são uns patinhos, digo, bobinhos. Tô falando é da galerinha lá do topo da pirâmide que ganha muito grana com juros sem ter que suar nem um pouquinho para isso).
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