Resenha crítica de “O Príncipe” – Nicolau Maquiavel



Wesley Sousa é graduando em Filosofia pela UFSJ.


Conforme Gramsci escreve no seu trabalho “Notas sobre Maquiavel”, “O príncipe moderno, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo, um elemento de sociedade completo em que começa a concretar-se uma vontade coletiva conhecida e afirmada parcialmente na ação”. Vemos que o partido político moderno é o resumo das vontades coletivas modernas.

Maquiavel é intensamente interpretado tão mal como Platão interpretava a arte. Maquiavel era um realista político; um sujeito consciente da vida política dos homens. A meu ver, o Gramsci foi o melhor na sua integridade interpretativa: transpõe a categoria maquiaveliana do “moderno príncipe” para o intelectual orgânico, e depois, para o partido que executa a guerra de posições na disputa pela hegemonia. O Gramsci foi o maior e melhor intérprete de Maquiavel (e era marxista, não “maquiavélico”)...

O livro, em si, muitas vezes é comumente interpretado de forma equivocada. Por exemplo, aos ricos parecia um “manual” para que eles tirassem a liberdade dos mais pobres, ou ainda que eles se perpetuassem – de quaisquer maneiras – no poder (ou alcançá-lo). Foi-se criando um “mito” de maquiavelismo acerca do pensamento de Maquiavel. A originalidade, em seu tempo histórico, deu um certo tom exagerado à abordagem maquiaveliana.

Em sua breve apresentação à Lorenzo (provavelmente um nobre italiano), ele dirige a ele com esmero e louvor, uma profunda respeitabilidade. Aos Piagnoni, tal livro seria aos bons, desonesto; aos maus, pior que os próprios. Bem ao contrário do que se pensa Maquiavel não era um “totalitário”, mas defendia uma centralização para a unificação da Itália (o principado).

Para o apoio, não se deveria ser odiado; proteger seu reinado lhe daria confiabilidade para sua proteção. À conquista de outro Estado, cuidar de não ficar demasiadamente confiante com o novo reino, mas instigar os menos poderosos a ir contra os mais poderosos daquele Estado. Na disputa pela hegemonia.

Enfatiza que reconhecer antecipadamente os males do Estado lhe permite ousar-lhe a “cura” eficaz. Um detalhe importante nas análises preliminares, é que o livro pode dar margem para diversas transposições temporais. Tanto progressistas quanto conservadoras, podendo fazer dele realmente um manual de instruções (com certas deturpações) para a práxis social.

O conhecimento histórico, crítico – bem como a cautela – ajuda na compreensão do mesmo, e faz-se necessário um olhar mais sereno à pequena obra para uma análise mais sólida.

Um governo bem estabilizado é, sem dúvidas, dificultoso destituí-lo, isto é, suprimi-lo; primeiro que seu povo estará na sua retaguarda; segundo que se há um governo fragilizado, as chances de fracasso é imanente; terceiro que sempre o conspirador terá chances da mesquinharia, calúnias contra o governo vigente, portanto, a desunião de suas bases é culminante para sua derrocada final. Não é surpresa que pensamos o que houve com o governo petista: não soube lidar com adversidades, pois que os próprios acolheram-nas de “bom grado”.

Todavia, “conservar” um bom principado, segundo ele, afirma que manter leis vigentes é um das formas. Porém, habitá-la por completo ou transformá-la é caminho mais correto a seguir, porque o povo se lembra de seus velhos modos de vida e faz a usura de costumes antigos.

Gramsci comenta “a luta política se converte assim em uma série de eixos de personagens entre aqueles que não sabem tudo, e tem concordado ao diabo, e que são objetos de burla, [...] nesse campo, a luta pode e deve ser conduzida desenvolvendo o conceito de hegemonia, assim como foi conduzida praticamente no desenvolvimento da teoria do partido político [...]”.

Maquiavel considera que “o objetivo do povo é mais honesto que o dos poderosos; estes querem oprimir e aquele [– os nãos poderosos –] não ser oprimido. Contra a hostilidade do povo, o príncipe não se pode assegurar nunca, porque são muitos; com relação aos grandes, é possível porque são poucos. O pior que um príncipe pode esperar do povo hostil é ser abandonado por ele.”.

O próprio Gramsci diz que “os elementos da observação empírica, que, em geral, são expostos desordenadamente nos tratados de ciência política, deveriam, se não são questões abstratas ou sustentadas no ar, ter seu lugar no vários graus de relação de força”.

Maquiavel faz considerações sobre a “crueldade” e o fato de César Bórgia ter tal fama e mesmo assim reerguer a Romanha “para levar à paz e fé’’. O “temor”, segundo Maquiavel é esteio pelo qual se resguarda a República, “os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizerem bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens, etc.”. Evita o ódio do povo consiste num governo estável. A lealdade também é ponto importante que o autor destaca.

Esses são problemas na estrutura e superestrutura que deve ser entendidos exatamente no ponto para resolver para chegar a uma boa análise perante as operações históricas de um período determinado. Nesse sentido, compreender os fenômenos que nos aparecem e alcançar sua essência.

Dentro da disputa política os seres têm a ânsia pelo alcance do poder, da mudança, para qualquer fim. A luta política é complexa. Não se pode deixar levar pela consciência do poderoso e emboscadas fáceis. Na luta de interesses comuns de sua classe, o serviço de cooptação, organizar saídas emergenciais, torna-se importante.

Finalmente, importante parafrasear Rousseau, cujo afirmou que Maquiavel ao fingir dar lições aos Príncipes, deu grandes ensinamentos ao povo.

Aqui vale lembrar-se das palavras do camarada Felipe Lustosa, ao afirmar: “Maquiavel nos deixou uma lição que povos historicamente insurgentes fazem revoluções de tempos em tempos a fim de recuperar a liberdade perdida em algum momento de sua constituição; já povos historicamente cativos e escravizados, que não romperam suas correntes com as próprias mãos, ou que em nenhum momento de sua história vislumbrou sua liberdade, povos que obtiveram sua cidadania como ‘dádiva piedosa’ de seus exploradores, concedida por cima e sem ponto de contato; se condicionam à dominação de classe de tal forma, que dificilmente se amotinam e insurgem contra seus exploradores; dificilmente estes chegam ao ponto de sacudir o pescoço com violência, lançando para o alto o jugo que o massacra e acomete.”.

Referências bibliográficas

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução, prefácio e notas Lívio Xavier. Editora Nova Fronteira; Rio de Janeiro, 2014 [Edição especial].


SADER, Emir. Gramsci – poder, política e partido. Tradução Eliana Aguiar. Editora Expressão Popular; São Paulo – 2° edição, 2012.
Wesley Sousa

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