“Fogo amigo” ou cavalo de Troia? – Resposta a Rosana Machado e Tatiana Roque

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Resposta ao artigo “Fogo amigo contra Tabata Amaral revela que a esquerda está perdida”.

Por Wesley Sousa - graduando em Filosofia pela UFSJ.



            Toda essa discussão dentro do “campo progressista” é nada mais que um artifício do liberalismo para cooptar pautas e lutas subversivas. Como escrevi em outra oportunidade, “eles são contra o “neoliberalismo” e não contra a subsunção formal do proletariado à forma valor e ao sobre-trabalho; são contra o “neoliberalismo” e não contra a propriedade privada dos meios de produção”. Na verdade, querem um “capitalismo inclusivo”.

O vídeo viralizou, com uma retórica palatável aos mais leigos; e, quanto aos mais espertos, como a turma do “Quebrando o Tabu”, se aproveitaram da oportunidade para direcionar a discussão.

A tentativa de vender a “menina dos olhos” do grupo Lehman como celebridade de “esquerda”, parece naufragar. O social-liberalismo, como afirma o camarada Alexandre Vasilenskas, tenta arduamente colocar como alternativa ao colapso do bolsonarismo. Não conseguindo, sem que haja resposta por parte da esquerda, a disputa se dá tanto no rettano teórico quanto nas lutas mais reais de uma reorganização efetivamente alternativa ao capitalismo.

Por conseguinte, o vídeo da socióloga e economista Sabrina Fernandes do canal “Tese onze” tem a necessária abordagem sobre os perigos da “pós-política” e “ultrapolítica” que ela desenvolve ao longo de sua pertinente avaliação; o caso de Tabata (e, vale frisar, de tantos outros) financiados por milionários.

No que tange ao artigo publicado pelo The Intercept, temos o seguinte trecho:

Compor o campo progressista é se revoltar contra as injustiças, não aceitar um mundo com tantas desigualdades, lutar pela transformação radical da distribuição de riquezas – tudo isso com recorte de raça, gênero e respeito aos direitos humanos. A partir daí, existem diversas possibilidades, inclusive perguntas que não sabemos responder. Qual a melhor estratégia para avançar? Quais táticas podem ser mais efetivas a cada momento? Quem são aliados potenciais nesse contexto? Quais países no mundo nos servem de exemplo?

Estamos lidando com a ignorância coletiva, porque a reprodução ampliada da obscuridade e da desrazão é biombo de reprodução de capital. Não à toa vemos gente burra formada com série de televisão e blog de internet. É muito fácil pensar que ser revolucionário é “existir”, “amar o próprio corpo”, “se aceitar apesar de tudo” e sair “lacrando” por aí com todo sentimentalismo barato cristianizado no egocentrismo. Ao contrário: ser revolucionário nos dias de hoje não é algo bonito, é algo necessário em nossos tempos que atravessamos.

Em um momento oportuno do artigo delas, há a seguinte afirmação: “No fim das contas, o trabalho parlamentar dessa mulher de 25 anos que saiu da periferia e se elegeu deputada federal virou um fato menor nos meios de esquerda. Grande mesmo foi a nossa demonstração de inabilidade em negociar democraticamente em um campo progressista diverso e fragmentado. Reclamamos da direita tacanha, mas os debates das redes sociais esvaziaram o eficiente desempenho de uma parlamentar de oposição. Resta-nos a pergunta: o que ganhamos com isso?

Vejamos: o pensamento foucaultiano pode ser ainda mais intrigante. Esse é o verdadeiro tumor teórico dessa sub-esquerda hipster. Normalmente pinta a realidade numa desconstrução racional da razão moderna e a formulação de uma proposição política transgressiva viável à intervenção social de uma esquerda que no pós-68 (culminante após a Queda do Muro) que passa a descrer do socialismo, mas, se põe romanticamente na postura rebelde e transgressiva contra o sistema. Esta rebeldia de esquerda tipicamente adolescente resulta na condenação das forças de contestação à ordem vigente a um fatalismo irremediável.

Isso sem falar na romantização da pobreza e da exploração de classe, como fazem valer nas suas palavras de “gratidão pela vida bela e humilde”; e o tal “socialismo cristão” (versão mal-arrumada da Teologia da Libertação) que encaixa nesse minimalismo fajuto, pela qual quem produz o excedente material deve ter a “consciência limpa” de suas “virtudes” (embora o cristianismo seja melhor fundando ontologicamente que essa ideologia).

Mais adiante, escrevem: Ao ocupar um cargo público, Tabata deve ser monitorada e criticada por suas posições sempre que necessário. Mas a repercussão desproporcional é sintomática de um desejo da esquerda em permanecer isolada. A atividade política inclui a construção de uma relação de confiança entre forças distintas, como também a disputa de quadros e posicionamentos que variam de acordo com a conjuntura”.

Em linhas gerais, assumiu o caráter “moral” do capitalismo através da ética protestante como matriz “moralizante” das dinâmicas capitalistas. Significa uma apologia do “tipo ideal” weberiano que acredita ser o capitalismo o mais eficaz modo de produção e social já criado. O devoto desse geralmente defende um Estado forte capaz de liderar o processo de construção nacional. Ainda que o “capitalismo imperialista”, no qual o lucro resulta da violência política coerciva e expansiva, produz “problemas” a um setor do capital, isto é, sem o identifica-lo como uma fase do desenvolvimento do próprio sistema, trata esse fenômeno como um ato isolado e natural.

Contudo, as autoras seguem afirmando no texto: “É importante frisar que essas críticas são pertinentes ao debate político. Mas o que queremos discutir aqui é tática e estratégia em tempos de avanço da extrema direita”.

“A esquerda tem criticado frequentemente as ditas “causas identitárias” defendidas por feministas e pelo movimento negro, por exemplo. Percebemos certa hipocrisia nessa crítica já que própria esquerda se comporta de forma bastante identitária quando avalia possíveis alianças apenas pelo viés de quem se enquadra em uma identidade “pura” de esquerda. Enquanto isso, estamos perdendo a disputa narrativa com as bases populares.

Robert Kurz, em um de seus artigos, chegou a mencionar: “Não se trata dos chamados déficits democráticos, mas de uma contradição estrutural, insolúvel no capitalismo, na relação entre educação e economia. A questão é saber se o "proletariado académico” globalmente massificado converte a sua precarização na ideia de uma nova emancipação social para todos, ou se pretende apenas afirmar-se no capitalismo e digere ideologicamente a inevitável frustração. No segundo caso será preciso contar com o pior”.

E exatamente neste ponto que entra em campo a questão ideológica que se posiciona no seu desejo íntimo: preservar o metabolismo do capital, intocável e “natural”. Então basta falar da ladainha de “crescimento sustentável” – mesmo que para isso tenha que se destruir a “sustentabilidade”.

Ora, ser radical é exatamente pôr à crítica aquilo que deve ser criticado. Por isso, o marxismo é a única doutrina capaz de fazê-la. Se o liberalismo tardio neste rincão tropical é apenas um engodo, uma engabelação, nossa tarefa é exatamente direcionar e expulsar esse senso comum rasteiro que adentrou como cavalo de troia à esquerda.

As autoras, em uma retórica fatalista, vazia, tentam apelar ao final: Precisamos resgatar nossa capacidade de articular um novo pacto social, plural, que respeite a Constituição e dê conta de questões estruturantes da sociedade brasileira. Não sairemos do bolsonarismo sozinhos.

De maneira alguma, não se trata de “fogo-amigo” quando a expressão da decadência ideológica e fragmentação das lutas concretas. Sua persona não agrega em quase nada as necessidades urgentes da ampla maioria da população. Muito fácil ter “TCC” sobre educação pública, mas, quando na ação concreta, é financiada pelo capital (inimigo de qualquer avanço social).

Assisti atentamente ao o embate dela com o Min. Vélez e, sinceramente, não há razão de tanta empolgação da esquerda com ela: porque o que ela disse é puramente senso comum; segundo, é o mínimo que se espera de um parlamentar de “oposição”. E a terceira: não fez uma única crítica aguda ou necessária de conteúdo ao projeto bolsonarista, caindo em uma fantasia ingênua de que “não há projeto”. 

Em um tom mais profundo: o conhecimento em si não produz valor, mas constitui uma necessidade objetiva do capital, sob o ditame do desenvolvimento das forças produtivas. Uma vez que nesta sociedade quaisquer gastos têm de ser apresentados na forma do dinheiro, os encargos do sistema de ensino constituem “custos mortos” em sentido capitalista, uma dedução à mais-valia social. Por isso, em toda a parte se invoca a necessidade de investimentos na educação, em nome da concorrência pela localização das empresas, estando, no entanto, a produção e distribuição do conhecimento simultaneamente sob enorme pressão dos custos.

Esquerda está perdida justamente por ter que depender de Tabata Amaral.  A deputada Tabata Amaral é financiada pelo grupo Lehmann, o maior grupo de educação privada do país, e, ainda insistem nessa ladainha de TCC. Quem paga a banda escolhe a música.


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Wesley Sousa

1 Comentários


  1. Bruno4 de abril de 2019 17:01
    Escrever de forma clara e objetiva sem academiscismos é um primeiro passo para termos uma esquerda eficaz e que se comunica com as massas. Seu texto e forma de escrever me lembra textos de sociedades herméticas, se não fosse eu formado em comunicação teria parado a leitura no primeiro parágrafo, como imagino que muitos tenham feito

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