“Você é um vagabundo”: o gosto pela exploração e o fruto da pobreza




Por Wesley Sousa - graduando em Filosofia pela UFSJ. 


Em tempos de “uberização”, surge cada vez mais as ideologias do “empreendedorismo” ou “autonomia do trabalhador”. Todos os dias saem manchetes nos jornais de grande circulação, como “'Bikeboys' rodam 12 horas por dia e 7 dias por semana para ganhar R$ 936”, tornam-se cada vez mais comum no capitalismo.

Porém, quando se critica isso, não se critica o fato das pessoas terem de trabalhar, mas sim ao fardo de que esse trabalho é fonte para sua própria desgraça.

Todavia, a mudança na organização da sociedade era defendida a partir da ideia, representada pela alegoria da mão invisível do mercado, em que o conjunto das ações individuais, orientadas por interesses egoístas, resultava no bem comum; ou seja, segundo a crença liberal, as pessoas buscando livremente seus interesses privados acabavam, no conjunto das suas ações, agindo em prol do interesse público. O que seria quase como se uma mão invisível tivesse colocado o interesse público no horizonte de suas ações. A mão invisível seria o resultado da regulação dessas ações pelo mercado.

Vale ressaltar, que essa ideia ganhou expressão no século XVIII, antes das revoluções burguesas. Assim, tomando tal ideia como verdadeira, fazia sentido diminuir o poder do Estado sobre a regulação da sociedade e deixar essa função ao mercado. Como veremos no decorrer do texto, essa ideia tem importância no desenvolvimento do empreendedorismo.

Como se sabe, o desemprego e emprego são noções dentro da sociedade capitalista a partir da lógica de produção material. O “emprego” não quer dizer “trabalho”, já que o primeiro seria uma condição pela qual o segundo está submerso. O trabalho, por sua vez, no mundo capitalista, é uma condição de “assalariamento” da classe proletária (ou trabalhadora).

O trabalhador reduzido a apêndice de uma máquina automotiva é um dos adventos mais brutais que a nova forma de reestruturação produtiva (capitalismo), pois que o homem está impossibilitado de exercer sua humanização, sua formação intelectual, artística, política e etc. Sua condição no mundo do capitalismo não passa à sua rotina diária e force a si uma pena de vida que recai em não fruir do quantum de tempo livre: a alienação de si faz com que negue a si próprio o “direito ao ócio e à fruição” pensando ser ele chefe de si ou algum “empreendedor” da própria pobreza ou desgraça, como algum “agente” autônomo de si.

Mas essa ilusão, uma fantasia ideologia do capitalismo que se impregna no trabalhador, que pensa regular o próprio erário com base na meritocracia e no tempo de trabalho prestado não possui a massa-crítica para enxergar o quão reificado e animalizado está e nem consegue se organizar para com seus semelhantes de classe para subjugar tal condição de exploração diária. Fatalmente culminando nas mais brutais formas de violência direta e indireta, desemprego e analfabetismo, por exemplo.

O modo de organização do trabalho baseado no Taylorismo para além de uma forma de reestruturação da produção que submete o chão de fábrica à gerência científica e à padronização do ritmo de trabalho, é um sistema perverso de divisão internacional hierarquicamente imposta do trabalho empenhado em supervisionar, espionar e em controlar a subjetividade, a moral e a vida social dos proletários como, por exemplo: por onde este anda quando não está produzindo? Na companhia de quem? É sindicalizado? Está organizado politicamente?

Para além de outras coisas, o Tayorismo e seus capangas ideológicos, supervisionam se este operário vai à igreja, quantos dias da semana vai à taverna, se é alcoólatra, quantas vezes vai ao prostíbulo e, pasmem, quantas horas da noite este operário dedica ao sexo! O Taylorismo (em linha de produção) se torna um método deveras eficiente para o domínio terreno da burguesia e dos poderosos parasitas; porque eles regulam desde o lacrimejar dos olhos, até o tempo que o operário utiliza para secar o suor da testa, controla as batidas do coração, os impulsos nervosos e o ritmo de respiração, isto é, a fim de que se engendre o mais-valor absoluto sem desperdício de tempo de trabalho com outras funções fisiológicas.

Notem-se: o taylorismo adequar-se-á a fisiologia ao desenvolvimento humano dispendido pelo maquinário. O ser humano é reduzido à mera força de trabalho, que pode ser descartada como lixo se não mais útil. Não pense você que sua “autonomia” no mundo do capitalismo é existente. Se você é explorado, depende do trabalho para viver, logo não há liberdade em abstrato para advogar; tampouco mudará sua situação material abraçando ideais pelos quais vão contra seus próprios interesses. Sua gestão da pobreza não passa de necessidade, não apenas de “liberdade”.

A valorização das competências individuais e da ação individual acaba por ressignificar o trabalho informal, seja o dos consultores ou o dos ambulantes, como “empreendedorismo”. Veja, se o trabalhador é precarizado, como forma constitutiva do capitalismo, o “vagabundo” não é quem não trabalha, mas aquele que é incluído na “exclusão” capitalista. Suponho que “gostar” de trabalhar como se fosse algo de “nossa escolha” não passa de um apelo moral, pois, com dito, não somos seres autônomos dentro do processo produtivo, já que somos os assalariados, compulsoriamente obrigados a se inserirem ou “viver à margem” como “vagabundo”.

Dessa maneira, o trabalho informal é realizado, no início da reestruturação produtiva, em ramos de atividade de baixa rentabilidade, como a produção familiar, o comércio ambulante e a subsistência em geral. O papel da informalidade no modo de produção capitalista é o de garantir um largo exército industrial de reserva (desempregados ou “vagabundos”), o que empurra os salários para baixo e absorve as flutuações no emprego devido ao mercado internacional, além de mascarar os indicadores de desemprego. Com o neoliberalismo em voga, no entanto, a informalidade ganha um novo significado: devido ao excesso de regulamentação, o sujeito inovador e empreendedor foge para a informalidade para se livrar das garras do Estado.

Com a crescente terceirização, com viés de “autonomia” ou “liberdade”, mas com fundo de domínio cada vez mais sofisticados, uma parte dos ex-funcionários que não consegue emprego é levada a abrir seu próprio negócio e prestar serviços para a antiga empresa, fato exemplificado pelo setor do vestiário, que conta com células industriais distribuídos por várias regiões do país nas quais convivem fábricas e oficinas formalizadas, com uma maioria informal que garante a competitividade dos custos das mercadorias produzidas.

Cada vez mais isso significa a queda do nível de vida, piora na saúde tanto física quando psíquica. Aumento da violência por meio do desemprego que o capitalismo gera. O trabalho existe como intercambio entre o homem e a natureza, na transformação por meio de suas faculdades e habilidades para criação e autopreservação. Mas no capitalismo, a condição de trabalhador se torna “necessária” para a reprodução de um tipo de sociedade que o trabalho é meio apenas de acúmulo de riquezas e exploração. Dessa forma, o trabalhador está submetido sem vínculos empregatícios carente de leis trabalhistas, sem sindicato, despido de seguridades e até do próprio direito a se aposentar, como tantos outros nesse abatedouro humano.

As pessoas em situações desfavoráveis que navegam ao sabor do mercado, mas que são ensinadas a pensar que seu destino depende só de si e de seus investimentos no negócio/atividade que desenvolve para sobreviver, de sua predisposição em inovar, “trabalhar duro”.

“O capital tem um único impulso vital, o impulso de se auto-valorizar, de criar mais-valor, de absorver, com sua parte constante, que são os meios de produção, a maior quantidade possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou do trabalhador. Se este consome seu tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista” (Marx, O Capital, Livro I, p. 307).

Mas se “Tu trabalharás com o suor de teu rosto!”, como foi a maldição que Jeová lançou a Adão. Assim, pode-se dizer que o trabalho se ergue um mundo estranho ao ser humano em seu estado bruto e afastamento do processo produtivo, porque o que importa é a circulação e acumulação das riquezas para a “prosperidade”, não a satisfação dos agentes produtores.

A alienação política, em última análise, é subproduto direto da alienação do trabalho e da base material que incide a produção e reprodução de mercadorias. O homem alienado de si, tornado reificado, estranho à sua espécie e tomando como mera condição animalesca e sem perspectiva de sua classe e da natureza com a qual se choca, não pode se efetivar enquanto homem credenciado à exercer a sua própria condição humana em suprimir o estado degradamente pelo qual se encontra. Por outro lado, ele precisa se desacorrentar da máquina e daquilo que o torna um apêndice de um “sistema” (capitalismo) na base da produção de mercadorias, saindo de sua condição de Prometeu dos tempos modernos.

Portanto, antes de chamar alguém de “vagabundo” por criticar as formas desumanas pelas quais estamos submetidos, seria mais adequado esse adjetivo àqueles que detém a grande parte de nossa riqueza produzida pelos braços de quem realmente trabalha e tem sua vida tortuosamente colocada como um mito de Sísifo: carregamos todos os dias o fardo de sustentar os verdadeiros “vagabundos” da sociedade: os ricos e burgueses enquanto estamos cada vez mais pobres e animalizados.

Wesley Sousa

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