As democracias estão morrendo ou o movimento do capital que afoga quaisquer tentativas democráticas?
por Frederico Lambertucci - mestrando em Serviço Social (UFAL)
O problema da democracia[1]
é que ela já não se adequa as formas necessárias da reprodução do capital.
Então, como forma de dominação ela exibe defeitos da própria reprodução do
complexo da política em sua função de pilar também econômico da acumulação do
capital. As medidas são mais autoritárias não por algum tipo de
personalidade autoritária (mesmo essas são expressões de certas necessidades
históricas), mas porque o capital solapa até mesmo seus fundamentos ontológicos.
A força de trabalho que é destruída pela sua própria abundância relativa, os meios de produção que são destruídos em tempo recorde como queimas gigantescas de capital e o planeta que é destruído pela necessidade constante de realizar mercadorias com uma massa menor de consumidores, que precisam consumir mais e com isso a obsolescência planejada se impõe[2].
Aparece dessa forma a ignorância que é falar em colapso da democracia e apontar um governo específico como a causa. Nem mesmo a própria democracia burguesa significa o reino da liberdade como pretendem aqueles que pensam ser o objetivo hoje a luta por ela, sobretudo com a pauta de Lula Livre.
A democracia abriga em seu seio formas de repressão e ela mesmo pode ser muito violenta e autoritária, não existe contradição aí. Pensemos nos E.U.A e Guantánamo, ou a França, país que mais desenvolveu técnicas de tortura no século XX (em pleno Warfare State)[3].
A democracia está “morrendo”, mas não por conta da vontade subjetiva de alguns indivíduos[4]. Ela agoniza porque mesmo nos países centrais a manutenção daquilo que se pensava os fundamentos da sociedade ocidental estão ameaçados pela crise estrutural do capital.
Na periferia do sistema, a situação é parente justamente porque a mais-valia aqui produzida sempre sustentou as economias desenvolvidas, imperialistas. Desse modo, a democracia sui generis da América Latina (sempre autoritária), democracia essa que nunca concretizou o ideal iluminista da revolução francesa (porque sua própria classe dominante não poderia fazê-lo), se vê não apenas limitada, mas determinada pela relação com o império.
A tragédia da América Latina é que a classe dominante nasceu condenada ao reacionarismo, pois dormiu aristocracia rural e acordou Burguesia associada, a classe trabalhadora, por outro lado, não poderia pressionar a democracia, só poderia ter na cabeça as palavras e a intenção do socialismo, e motivada por uma revolução antidemocrática, isto é, uma revolução tendo em vista a ditadura do proletariado. Mas essa revolução brasileira quando colocada no horizonte, e contra muitos sonhos românticos, já não podia alvorecer sem ter em perspectiva o internacionalismo.
Quando o galo francês cantou para o operariado na América Latina, as vias nacionais de desenvolvimento do capital já estavam esgotadas ou se esgotando, daí que o nacionalismo estava fadado a um reformismo ingênuo ou a uma perspectiva revolucionária sem revolução socialista, isto é, a revolução que quer pôr o Estado a serviço do desenvolvimento nacional[5].
O problema é que o desenvolvimento nacional do capital não apenas está esgotado, mas ativou no limite todas as contradições entre produção e controle, produção e distribuição e produção e consumo. O comando do desenvolvimento do capital (um sonho não apenas da burguesia, mas de boa parte da esquerda do século XX e XXI) é, como Marx já dizia, uma impossibilidade completa, quando ativadas essas contradições em seus limites, a situação não apenas é incontrolável por nenhum Estado “operário”, como também a produção dessa situação continua a implicar o desenvolvimento do capital de modo mais destrutivo e irracional[6].
Isso é observável em todas as experiências nacionais de desenvolvimento do capital, China e a criação de cidades fantasmas para salvar o capital na crise de 2008, utilizando uma massa gigantesca de recursos para ninguém morar. A Venezuela e sua necessidade de vender petróleo e manter uma matriz energética que é absolutamente prejudicial, quando hoje outras possibilidades são mais eficazes e menos poluentes. Aqui se trata de observar que formas nacionais de revolução se circunscrevem a reproduzir relações do capital necessariamente. E essas formas são sempre mais precárias, justamente pelo esgotamento delas.
Em suma, se de um lado o reformismo politicista que crê ser possível retomar a democracia e aperfeiçoá-la ilimitadamente não passa de oportunismo e ignorância, pois não se trata de uma questão de governos.O nacionalismo revolucionário também preso ao politicismo da revolução como pôr de uma nova forma política, em suas diversas variações, também nem trisca no real problema da revolução comunista hoje e seu inevitável internacionalismo. O dito nacionalismo de esquerda acaba preso a ideia de desenvolver o país, o que significa desenvolver forças produtivas sob relações do capital, em que o Estado dominaria o capital. No fundo um sonho romântico e uma incompreensão da natureza do capital e sua incontrolabilidade.
[1] Texto
que dialoga criticamente com a visão ingênua de uma “democracia” como se fosse
substrato maior da socialização da sociedade.
[2] MÉSZÁROS,
István. Para além do capital. Boitempo, 2011.
[3]
Conferir: MÉSZÁROS, Isván. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo,
2010.
[4] Em
referência ao livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel
Ziblatt, publicado no Brasil pela Zahar Editores.
[5]
MAZZEO, Antônio. Estado e burguesia no Brasil. Belo Horizonte: Oficina de
Livros, 1989.
[6]
MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. Boitempo, 2010.
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