Wesley
Sousa – graduando em Filosofia pela UFSJ.
Em
que consiste a crise atual? Quais são seus problemas? Essas e outras perguntas
são sem dúvidas importantes a se fazerem para compreensão e a dimensão da nossa
crise global. O sistema econômico hegemônico passa por sérios problemas, os
quais se tornam insolúveis pelos imperativos que lhe são compulsórios. *
O
capitalismo, como econômico de produção e reprodução material, surgiu lentamente
ao longo de séculos passados. Muito simplista é a abordagem que Adam Smith foi
o “precursor” da investigação do sistema que florescia na época em sua
compreensão. Sem dúvidas, ele trouxe análises para aquilo que hoje se entende
como “ciência econômica”. Outrossim, à medida que o capitalismo se efetivara,
havia novas formas de entendê-lo. O modo de produção é, em suma, definido
por suas relações sociais nas suas forças produtivas.
A
maioria das pessoas dentro do sistema capitalista é motivada por comportamentos
individualistas, aquisitivo e maximizador – ultrapassando quaisquer filosofias
de vida ou espirituais. Isso é necessário para desenrolar, desenvolver, este
sistema. As trocas comerciais, as mercadorias produzidas com única finalidade à
venda na geração de mais-valia, é imperativo inexorável para o funcionamento do
sistema do capital. Uma sociedade cuja não pode parar de consumir também não
pode parar de produzir – é imperativo indissociável à sua própria natureza.
Nesse
ínterim, o movimento do capital pelo qual transcorre histórico e socialmente,
Mészáros assegura, diante do diagnóstico, que a natureza do capital não
reconhece “medida de restrição, não importando o peso das implicações materiais
dos obstáculos a enfrentar [...] nem a urgência relativa (chegando à emergência
extrema) em relação a sua escala temporal” (MÈSZÀROS, 2011, p. 253). Dessa
maneira, então, nosso autor argumenta claramente no seu livro de maior
grandeza, o Para além do Capital:
A própria
ideia de “restrição” é sinônimo de crise no quadro conceitual do sistema do
capital. A degradação da natureza ou a dor da devastação social não têm
qualquer significado para seu sistema de controle sociometabólico, em relação
ao imperativo absoluto de sua autorreprodução numa escala cada vez maior. É por
isto que durante o seu desenvolvimento histórico se excedeu o capital em todos
os planos – incluído seu relacionamento com as condições básicas da reprodução
sociometabólica –, mas estava destinado a fazê-lo cedo ou tarde. (MÉSZÁROS, 2011,
p. 253).
Com
a urgência de soluções e “reformas”, o capital se mostra incontrolável em toda
sua forma. Mesmo com tentativas dessas reformas pontuais, sua gênese é sempre a
mesma. Tais perigos dessa incontrolabilidade coloca em risco, mais do que
nunca, a própria humanidade. Concernente a isso, o próprio Mészáros adverte:
A
dificuldade não está apenas no fato de os perigos inseparáveis do atual
processo de desenvolvimento serem hoje muito maiores do que em qualquer outro
momento, mas também no fato de o sistema do capital global ter atingido seu
zênite contraditório de maturação e saturação. Os perigos agora se estendem por
todo o planeta; consequentemente, a urgência de soluções para eles, antes que
seja tarde demais, é especialmente severa. Para agravar a situação, tudo se
torna mais complicado pela inviabilidade de soluções parciais para o problema a
ser enfrentado. Assim, nenhuma “questão única” pode, realisticamente, ser considerada
a “única questão”. Mesmo sem considerar outros efeitos, esta circunstância
obrigatoriamente chama atenção para a desconcertante marginalização do
movimento verde, em cujo sucesso se depositaram tantas esperanças nos últimos
tempos, mesmo entre antigos socialistas. (MÉSZÁROS, 2011, p. 95).
Do
ponto de vista social, a classe operária é, ainda que fora do processo imediato
de trabalho, um simples coadjuvante do capital, como qualquer outro instrumento
de trabalho. Pois, como sabemos, o operário só tem a sua própria mão-de-obra
para vendê-la e, portanto, tentar sua subsistência dentro desse sistema
carregado de imperativos e condicionantes.
Marx,
no Capital, já dizia acertadamente
sobre os aspectos do labor em aspectos salubres ou não. No caso, são pequenas
frações de superioridade e inferioridade do trabalho formalmente feito. Assim
argumenta:
A
diferença entre trabalho superior e inferior, trabalho “qualificado” e “não
qualificado”, repousa, em parte, em meras ilusões ou, no mínimo, diferenças que
há muito deixaram de ser reais e continuam a existir apenas em convenção
tradicional, e, em parte, no desamparo de certas camadas da classe
trabalhadora, que dispõem de menos condições do que as outras de se beneficiar
do valor de sua força de trabalho. (MARX, 2013, p. 1198).
Consequentemente,
a função social ideológica apologética ao capital serve como esteio de
sustentação da ideia mitológica de “crescimento” econômico infindável e “prosperidade”
em um mundo finito. Para estes teóricos econômicos, a economia é um sistema
simples e mecânico. Suas explicações construídas sobre o modelo “Robinson
Crusoé” da economia, em que existe apenas um indivíduo em uma ilha deserta e
tanto é produtor quanto consumidor. Os economistas burgueses removem toda
menção à divisão da sociedade em classes e à resultante luta que se eleva disto
pelo excedente produzido na sociedade e seus desgastes inevitáveis tanto humana
quanto ecologicamente. A ideologia dominante, já delineava Marx, em sua obra A Ideologia Alemã, revelou a expressão
dos seus agentes. Entre outras coisas, salienta:
As ideias
da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe
que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força
espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção
material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela
estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos
quais faltam os meios da produção espiritual. (MARX, 2007, p. 47).
A
estrutura da crise atual requer a denúncia por parte dos filósofos e críticos. Podemos
saber que, como escreveu em seu livro
Filosofia, ideologia e ciência social, “a posição das ideologias
conflitantes é decididamente assimétrica. As ideologias críticas, que procuram
negar a ordem estabelecida, não podem sequer mistificar seus adversários, pela
simples razão de não terem [ideólogos da ordem] nada a oferecer [...]”
(MÉSZÁROS, 2008 p. 8).
Mesmo
com a intervenção estatal direta no processo de produção capitalista fracassa,
sem precedentes e em todos os sentidos. A tendência idealista de pensar que a
realidade se ajusta em suas ideias intervencionistas não duradouras expõe,
portanto, ainda mais a estrutura da crise: o próprio sistema econômico. Contudo,
também existe uma tendência oposta da ideologia burguesa que tenta negar a
existência de quaisquer leis dentro do capitalismo. Para essas pessoas, a
história e a economia são processos aleatórios, longe do domínio da
investigação científica. Este conceito é igualmente tão idealista quanto a
visão mecânica dos economistas clássicos, só que apontando para a direção
oposta.
Mészáros
argumenta sobre a severidade das crises quando alcança seus patamares
significativos, isto é, sua estrutura é evidenciada por sua limitação histórica
de sua potencialidade. E assim diz ele:
À medida
que os sintomas da crise se multiplicam e sua severidade é agravada, parece
muito mais plausível que o conjunto do sistema esteja se aproximando de certos
limites estruturais do capital, ainda que seja excessivamente otimista sugerir
que o modo de produção capitalista já atingiu seu ponto de não retorno a
caminho do colapso. (MÉSZÁROS, 2011, p. 41).
Falamos
até aqui de alguns aspectos fenomênicos da crise de acordo com a sua base estrutural.
Entretanto, vale frisar que, o capital, como sabemos, não é uma entidade
material cuja ela pode se mover livremente por aí. É um modelo de produção
extra-humano, e os agentes desse modelo – os que o “controlam” – sofrem seus
efeitos, pois sua gênese exige que eles ajam de acordo com tais imperativos e
não somente por sua “boa” ou “má” vontade:
Antes de
mais nada, é necessário insistir que o capital não é simplesmente uma “entidade
material” – [...], um “mecanismo” racionalmente controlável, como querem fazer
crer os apologistas do supostamente neutro “mecanismo de mercado” (a ser
alegremente abraçado pelo “socialismo de mercado”) – mas é, em última análise,
uma forma incontrolável de controle sociometabólico. A razão principal por que
este sistema forçosamente escapa a um significativo grau de controle humano é
precisamente o fato de ter, ele próprio, surgido no curso da história como uma
poderosa – na verdade, até o presente, de longe a mais poderosa – estrutura
“totalizadora” de controle à qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se
ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não
consiga se adaptar. (MÉSZÁROS, 2011. p. 96).
Chega-se
ao ponto que, ao contrário do “otimismo” da burguesia, nos anos de “explosão
econômica”, agora até na classe dominante o medo e o receio toma conta – o
pessimismo e a incerteza. Austeridade não está funcionando – como no Brasil e
outros países do capitalismo periférico, mas também não há dinheiro jorrando
por aí para estimular a economia – pois o mercado exige cortes; a
financeirização e o rentismo abocanha grande parte do excedente produzido (a
mais-valia) pelos trabalhadores. Portanto, a estrutura da crise atual é mais
reveladora que nunca: a extrema desigualdade é inerente e a violência humana é
cada vez maior. E Marx, no Capital (vol. I),
já denunciava:
Porém,
ainda sem levarmos em conta a classe de rentistas ociosos assim criada e a
riqueza improvisada dos financistas que desempenham o papel de intermediários
entre o governo e a nação, e abstraindo também a classe dos coletores de
impostos, comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de
cada empréstimo estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública
impulsionou as sociedades por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo
tipo, a agiotagem, numa palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.
(MARX, 2013, p.1003)
Para
finalizar, Isván Mészáros salienta a necessidade da transformação social
radical perante a ofensiva da crise estrutural que nos coloca o alerta de seu
colapso total. E para esta transformação é preciso que todos se atenham no
aspecto geral de nosso tempo:
O
movimento socialista não terá a menor chance de sucesso, contra o capital, caso
se limite a levantar apenas demandas parciais. Tais demandas têm sempre que
provar a sua viabilidade no interior dos limites e determinações reguladoras
preestabelecidas do sistema do capital. As partes só fazem sentido se puderem
ser relacionadas ao todo ao qual pertencem objetivamente. Desse modo, é apenas
nos termos de referências globais da alternativa hegemônica socialista à
dominação do capital que a validade dos objetivos parciais estrategicamente
escolhidos pode ser adequadamente julgada. E o critério de avaliação deve ser a
capacidade desses objetivos parciais se converterem (ou não) em realizações
cumulativas e duradouras no empreendimento hegemônico de transformação radical (MÉSZÁROS,
2011. p. 943).
Portanto,
a estrutura da crise é a crise do próprio sistema. E o “otimismo” já não tem
mais convencido as pessoas, bem como “é interessante observar que o otimismo é,
na maioria das vezes, apenas uma maneira de defender a própria preguiça, as
irresponsabilidades, a vontade de não fazer nada” (GRAMSCI, 2012, p. 109).
Referências
bibliográficas
GRAMSCI, António. Poder, política e partido. Org. Emir
Sader. Trad. Eliana Garcia. São Paulo; Expressão Popular, 2012.
MARX, Karl. A ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle, Nélio
Schneider, Luciano Cavini Martorano. São Paulo-SP: Boitempo, 2007.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro
I. Trad. Rubens Enderle. São Paulo-SP: Boitempo, 2013.
MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. Trad.
Francisco Raul Cornejo. São Paulo. 2° edição: Boitempo, 2011.
MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e classe social.
Trad. Ester Vaisman. São Paulo-SP: Boitempo, 2008.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria
da transição. Trad. Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo-SP:
Boitempo, 2011.
* texto escrito em 2017, em virtude da morte do filósofo, no dia 1° de Outubro de 2017 (escrito para um evento acadêmico na época).