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A possível representação da famosa alegoria de Platão, contida no Livro VII da República. |
por Hian Sousa - estudante de Filosofia pela UFPA
O livro famoso “A República”,
escrita pelo filósofo ateniense Platão, é uma das obras que marcam o apogeu da
filosofia clássica da Grécia Antiga. Neste livro mais conhecido do corpus
platonicum, encontramos uma variedade de assuntos, e dentre estes
destacamos um tema que será abordado ao longo do texto: a relação entre a
Alegoria da Caverna e a investigação ontológica.
A Alegoria da Caverna está contida no livro
VII d’A República, sendo que esta é uma das partes mais conhecidas desta obra.
Platão conta esta história da seguinte forma (A República, VII, 514 a-c): em
uma caverna, há homens acorrentados desde a sua infância, e nunca viram outra
coisa senão sombras de objetos e pessoas que passavam pela caverna, e estes
tomam estas sombras pela forma verdadeira destas coisas. Entretanto, um destes
é libertado da caverna (PLATÃO, A República, VII, 515 c-d) e dirige-se rumo ao
mundo externo. Depois destes acontecimentos, ele percebe que o que vira até
então era apenas sombras (PLATÃO, A República, VII, 516 a-c). Finalmente, ele
retorna à caverna e tenta convencer os seus companheiros a saírem de lá, mas
estes o debocham, e ameaçam matá-lo caso o prisioneiro liberto insistisse nesse
assunto. (PLATÃO, A República, 516 e – 517 a).
Com esta história, Platão investiga
a natureza de dois conceitos que são fundamentais: o conhecimento (epistéme)
e opinião (doxa). Esta discussão já começa no livro V. Para este, o
principal objetivo é a apreensão da Verdade. Portanto, é mister que, para
aquele que busca a Verdade, saiba a diferença entre epistéme e doxa.
Por epistéme, Platão entende como a apreensão da essência das coisas, a
sua verdadeira forma. Portanto, o objeto da epistéme é o ser. (PLATÃO, A
República, V, 478 b).
É bem verdade que Platão não fala
abertamente em ontologia n’A República, mas com esta afirmação, o filósofo dá à
matéria um lugar privilegiado, porquanto este identifica a investigação do ser
com a apreensão da Verdade. Podemos ver até aqui que Platão é muito
influenciado por Parmênides, no qual o eleata também conclui que o conhecimento
do ser é o único capaz de elevar o indíviduo à Verdade (alethéia).
Se a episteme é o
conhecimento da essência, da unidade das coisas, a doxa é
diferente. Segundo Platão (A República,
V, 478 d), a doxa constitui-se em um meio termo entre a episteme e
a ignorância (agnóia). Ou seja, a opinião estaria na esfera da
multiplicidade, da variedade, em que esta ainda não atingiu o caráter de
unidade presente na episteme.
Desta forma, Platão (através de seu
interlocutor Sócrates) trata a Alegoria da Caverna como uma metáfora para
explicar como se dá a relação entre episteme e doxa. As sombras,
na qual é a única coisa que os prisioneiros podem ver, impedem estes de estarem
na mais completa ignorância. Entretanto, por sua vez, estes prisioneiros estão
mergulhados na imediaticidade, na multiplicidade, ou seja, não possuem a
capacidade de ordenar racionalmente a realidade através dos conceitos.
Quando um dos prisioneiros é
libertado da caverna e dirige-se ao mundo real, isto significa que o indivíduo
atingiu o conhecimento da essência das coisas (que, segundo Platão, é a própria
realidade), ou seja, chega ao conhecimento do ser. Este ponto é tão crucial que
Platão chega a comentar em uma passagem d’A República (517 b-c) que a chegada
do homem à episteme, ao conhecimento do ser, é identificada ao
conhecimento da ideia do bem, que é:
“(...) belo e direito, a geratriz,
no mundo visível, da luz e senhor da luz, como no mundo inteligível é
dominadora, fonte imediata da verdade e da inteligência, que precisará ser
contemplada por quem quiser agir com sabedoria, tanto na vida pública como na
particular.” (PLATÃO, A República, VII, 517 c).
Desta forma, a Alegoria da Caverna pode ser
considerado como um resumo da ontologia platônica, que busca o conhecimento do
ser para atingir a alethéia. Apesar de Platão apresentar limitações,
tais como afirmar que o ser é imutável, o seu método de abstração é uma de suas
grandes conquistas. Tal método será aperfeiçoado posteriormente por outros
autores, como Marx, no qual será mister afastar-se aparência da imediaticidade
para entender o real em sua concretude.
REFERÊNCIA
PLATÃO. A República (ou: sobre a
Justiça. Gênero Político). Trad.: Carlos Alberto Nunes. 3.ed. Belém: EDUFPA,
2000.
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