Marx pelo avesso – qual marxismo queremos?




Por Frederico Lambertucci - mestrando em Serviço Social pela UFAL


Uma diferença que até hoje parece que muitos marxistas não compreenderam: quando Marx pesquisava, a adoção do ponto de vista, da posição de ser do proletariado, não o fazia submeter a análise teórica a pressupostos políticos.

Marx não fundamenta a teoria da mais-valia para provar que o proletariado é explorado; ele a descobre no processo de produção da sociedade burguesa a exploração e a forma específica de exploração dessa classe particular, o proletariado. 
Ou seja, Marx não rebaixa a ciência à política. O que não significa que o seu patamar científico não tenha juízos valorativos, etc. Nada parecido com a ideia de neutralidade propagada pela cientificidade burguesa. A questão aqui é que aquele ponto de vista fundamental (do proletariado), permite Marx ser objetivo cientificamente sem problemas. Não precisa velar fenômenos sociais de monta para a manutenção da dominação de uma classe.

O que aconteceu no século XX.

A Revolução Russa criou uma situação histórica em que era necessário rebaixar a ciência à política para a “sobrevivência do primeiro Estado P
roletário”. Isso porque o taticismo no movimento comunista se tornou regra. Não tratava-se mais de fazer ciência, mas produzir ideologia como falso socialmente necessário, para assegurar qualquer que fosse a estratégia adotada, com suas inversões acrobáticas, pudesse estar respaldada por algum "teórico”. Exemplo disso é dado incessantemente por Fernando Claudin em seu "A crise do movimento Comunista".

Deixo aqui apenas dois exemplos: o primeiro é a inversão ainda em 1924, quando a IV Internacional no início do ano aprovava a tese da revolução mundial como condição do desenvolvimento do socialismo na Rússia, logo após a morte de Lênin a tese mudou radicalmente, se tornando o socialismo em um só país.

Outro momento, esse mais global, se tratava da concepção de fundo de Stalin sobre a história. Segundo ele, Marx descobriu a lei econômica fundamental que demonstrava que o comunismo era inevitável, o desenvolvimento das forças produtivas (lembrem aí dos movimentos da URSS em torno desse desenvolvimento, Stakhanovismo, etc) iria avançar até a ruptura das relações de produção. Ao mesmo tempo, fundamentou-se a ideia que os comunistas eram as ferramentas da história que postas em movimento realizariam esse objetivo da própria história.

Em suma, se transformava a história em uma entidade que se realizaria comunismo, o que significa que a ação política se tornava desnecessária, visto que a história conduzia a humanidade para o comunismo, a ação humana via-se afastada de qualquer papel relevante para tal.

No entanto, era preciso mobilizar a militância, fazer o militante acreditar que sua ação era necessária, do contrário, seria destruir a própria base do movimento político que dava sustentação para URSS. O modo de resolver essa contradição insolúvel para Stalin, era justamente transformar teoricamente o movimento comunista, e de modo mais geral, a ação humana, em instrumento da história.

(Pode-se ver similaridade com Hegel, mas Stalin não se compara nem um pouco com o grande filósofo alemão e seu sistema teórico, enquanto o primeiro era um gênio, o segundo foi medíocre em questões teóricas, não por incapacidade subjetiva, mas por sua posição histórica no desenvolvimento da sociedade burguesa)

Essa concepção de Stalin durou e sobrevive, hoje com mais dificuldades é verdade. Poderiam perguntar porque entre tantos revisionistas no século XX, a mão se torna tão mais pesada com Stalin? E a primeira resposta, costuma ser, anticomunismo ou a idiotia da tal autofobia.

Todavia, essa resposta é mais óbvia do que possa parecer. Porque Stalin comandou a URSS e através do PCUS e da III Internacional teve uma cadeia de transmissão e fundamentou um modus operandi dos PC's e do movimento comunista em geral de forma muito mais profunda, intensa e duradoura que quaisquer outras revisionistas do século XX.

Historicamente nenhum outro elaborador de política e teórico da revisão teve tantos meios de divulgação e meios de organização que formaram teses e interpretações para outros países. 
Alguém poderia dizer se as teses de Bernstein fundamentam uma leitura de Brasil? Não, porque isso não ocorreu. Quantas leituras baseadas em teses do PCUS tivemos? O apoio as burguesias nacionais, etc? (Lembrem aqui de que importava desenvolver forças produtivas para a ruptura, logo apoiar a burguesia politicamente para desenvolver o país estava fundamentado nessa tese de Stalin)

Parece que é evidente e perceptível a miséria teórica e os descaminhos que se provoca quando se submete a ciência às necessidades políticas imediatas. Em suma, não se pode mais transformar necessidade em virtude e criar uma aura de pensamento revolucionário em cima do que é apenas miséria teórica. A crítica de todo o existente é exatamente isto: crítica radical dos fundamentos da sociabilidade e de suas formas.

Hoje, não poucas vezes o que vemos é justamente essa adequação da teoria a pressupostos políticos.

O que é, por exemplo, a defesa da China ou da Coreia do Norte como socialismo?

Exatamente essa adequação, deixa-se de realizar a crítica necessária por necessidades políticas e pressupostos. Como dizia Marx, é a operação dos economistas clássicos, se quer provar aquilo que é o próprio pressuposto da prova. Assim se quer provar a existência de Deus pela existência da maçã. 
De outro lado, é a isso que nós referimos quando vemos um curso de introdução ao pensamento de Stalin, por exemplo. Algo que não pode ser mais que uma escatologia disso, da subordinação da teoria a política, se torna na realidade na divulgação de um pensador que teria alguma contribuição ao marxismo. Nada menos real.

Por fim, não se trata de esquecer a política, ou dar a ela um lugar reduzido, se trata de dar aos complexos seus reais pesos e funções sociais. A política precisa de uma teoria que a oriente de modo eficaz, isso só pode ser feito quando a teoria se desprende justamente dos objetivos políticos imediatos, da sua submissão a um encaminhamento político dado a priori.

Marx e Engels são a prova viva disso. Se existe a cada momento da elaboração a vinculação orgânica com os objetivos do proletariado, eles não são pressupostos para os quais a teoria deve se dirigir, trata-se de encontrar na realidade aquelas determinações que expressam as possibilidades históricas do próprio proletariado.

Em palavras muito melhores que as minhas:

"Na tradição marxista, foram freqüentes os equívocos derivados de uma interpretação simplista da decantada “relação entre teoria e prática”, que não poucas vezes conduziram – confundindo unidade com identidade – a desastres simultaneamente teóricos e políticos. Por isto mesmo, é preciso afirmar com vigor que teoria e política configuram âmbitos distintos, mesmo que não divorciados, na totalidade das formas pelos quais os homens e as mulheres procuram compreender e transformar o mundo. No âmbito da teoria, o conhecimento verdadeiro é um fim; no âmbito da política, o conhecimento é um meio 3. Na teoria, importa a verdade; a política é o campo das relações de força. As conexões entre teoria e intervenção política não são unívocas nem diretas, até porque suas dinâmicas são estruturalmente diversas – a temporalidade da ação política não é a da elaboração teórica (antes, é reiteradamente emergencial)." (José Paulo Netto) Texto https://pcb.org.br/…/o-deficit-da-esquerda-e-organizacional/

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Wesley Sousa

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