Artigo escrito originalmente por György Lukács, para a
revista Die rote Fahne, em agosto de 1922.
Artigo originalmente disponível neste
link.
Tradução por Andrey Santiago
Extraído do site TraduAgindo.
Não poderia ser o objetivo dessa análise – já que esse
espaço impede de isso acontecer – retratar o sistema psicológico de Freud e
fazer uma avaliação dele, mesmo em linhas gerais. Isso iria requerer um
verdadeiro tratado – o qual, certamente, não seria uma coisa ruim, já que por
um lado, a psicologia Freudiana significa um avanço comparada a psicologia
comum, mas por outro, como a maioria das teorias modernas, é muito suscetível a
enganar qualquer um que não olhe com atenção a totalidade do fenômeno social: suscetível
a oferecer a pessoa uma dessas panaceias para explicar todo fenômeno que é
popular hoje em dia – sem forçar a pessoa a entrar em concordância intelectual
com a real estrutura da sociedade.
Toda psicologia até agora, inclusive a psicologia freudiana,
sofre em ter um método com um viés de partir do ser humano artificialmente
isolado – através da sociedade capitalista e seu sistema de produção. Ele trata
suas peculiaridades – da mesma forma, o efeito do capitalismo – como qualidades
permanentes que são peculiares ao “homem” como “ditames da natureza”. Como a
economia e a jurisprudência burguesa e mais, ela esbarra nas formas
superficiais produzidas pela sociedade capitalista; não consegue perceber que
está meramente assumindo formas da sociedade capitalista e por consequência não
consegue se emancipar dela. Por essa razão é similarmente incapaz de resolver
ou até entender por essa perspectiva os problemas que atingem a própria
psicologia também. Desse modo, a psicologia vira a essência das coisas de
cabeça pra baixo. Ela tenta explicar as relações sociais dos homens de sua
consciência individual (ou subconsciência) em vez de explorar as razões sociais
para sua separação do todo e os problemas de conexão de sua relação para com
outros pares. Deve inevitavelmente girar impotente em um círculo de
pseudo-problemas criados por ela mesma.
Este estado de coisas parece alterar quando surge o
problema da psicologia das massas. Mas até mesmo uma olhada na maneira pela
qual a psicologia das massas aborda seus problemas mostrará que as mesmas
falsas proposições prevalecem em uma extensão ainda maior. Pois assim como a
psicologia do indivíduo deixa de considerar sua situação de classe (e, com ela,
o entorno histórico da própria classe), também a psicologia compreende as
“massas” como uma congregação de seres humanos que, embora varie de acordo com
o número de participantes ou seu estado de organização, no entanto, está
limitado a essas diferenças formais. A psicologia das massas desconsidera
a influência econômica, social e as condições históricas em seu método. De
fato, até se esforça para provar que não é importante para os fenômenos da
psicologia das massas qual pode ser a composição social da multidão.
Segue-se principalmente que a psicologia das massas tenta explicar as massas a
partir do indivíduo. Analisa as mudanças espirituais que ocorrem
individualmente na massa. Portanto, não faz nenhuma tentativa de transformar o
problema no caminho certo. Pelo contrário, contribui para a sua posição
invertida. Isso não é fortuito, pois na psicologia das massas, as
características da luta de classes inerente à psicologia burguesa emergem
claramente. Sua tendência é diminuir o valor intelectual e moral das massas,
demonstrar “cientificamente” sua instabilidade, falta de independência e assim
por diante. Deixando de lado a intrincada e sofisticada terminologia, podemos
dizer que hoje, a psicologia burguesa das massas ainda está formulando em
termos científicos a mesma visão reacionária das massas que Shakespeare, por
exemplo, expressou em termos dramáticos em suas cenas de multidão.
Como um pesquisador da integridade, Freud vê os aspectos
contraditórios e não-científicos de sua perspectiva. Ele sente que essa sistemática
depreciação das massas não apenas desconsidera o âmago da questão, como
também não produz nada de novo; ainda com sua solução positiva, ele permanece
enredado nas mesmas contradições. Pois ele também procura explicar as multidões
da psicologia pela alma individual e, ao tentar evitar a subestimação das
massas, decai para uma superestimação de líderes igualmente
ilimitada. Pois Freud procura explicar os fenômenos das massas a partir de sua
teoria sexual geral. Na relação de massa e líder – na qual ele alega localizar
o problema central da psicologia das massas – ele percebe apenas um caso
especial daquele “fato primordial” na raiz das relações entre amantes, a
relação pai-filho, as relações entre amigos, colegas profissionais etc.
Não podemos providenciar uma crítica em si aqui nessa
presente análise. Só é necessário ser destacado que Freud, de um modo
totalmente acrítico, compreende a vida emocional do homem durante o capitalismo
desenvolvido como um “fato primal” eterno. Em vez de se comprometer a
investigar as verdadeiras razões para essa vida emocional, ele procura explicar
todos os eventos do passado a partir dela. A natureza não científica desse
método torna-se mais grosseiramente evidente quando Freud, tomando como ponto
de partida as manifestações (corretamente ou incorretamente descritas) da
sexualidade infantil nos contemporâneos, procura dar conta da sociedade
primitiva. Ao fazê-lo, ele chega à fantástica suposição de uma “horda primal”
que corresponde aproximadamente à família patriarcal. Tomar tal ponto de
partida não é nada menos do que voar em face das descobertas mais conhecidas da
pesquisa etnológica moderna (Morgan, Engels, Cunow, Grosse etc.).
Mas para deixar claro para o leitor menos cientificamente
informado as consequências absurdas desse método, deixe-nos referir a outro
exemplo, a psicologia dos exércitos de Freud. Essa é uma questão que Freud
discute em grande detalhe.
Desnecessário dizer, ele não distingue um exército de
outro: na sua visão os exércitos de plebeus da Roma Antiga, os exércitos
medievais de cavaleiros, os cruelmente disciplinados mercenários do
lumpenproletariado do século 17 e 18, e as multidões mobilizadas da Revolução
Francesa são exatamente as mesmas “psicologicamente”; tão iguais que Freud acha
desnecessário fazer a pergunta sobre a diferença na composição social dos exércitos.
Em vez disso, ele acha o vínculo que liga todos os exércitos juntos no Eros, o
amor. “O general do exército é o pai que ama todos os seus soldados igualmente
e, portanto, eles são companheiros uns dos outros … Cada capitão é, por assim
dizer, o general e pai de sua divisão, cada tenente o pai de sua unidade”. E o
militarismo alemão vem ao luto por seus “metódos não-psicológicos”, por meio da
“negação do fator libidinoso no seu exército”. Ele até mesmo atribuiu a isso o
efeito do pacifismo no exército ao final da guerra.
Não citamos esse exemplo para expor um pesquisador com seus méritos ao uma ridicularização merecida. Nos citamos como um exemplo crasso – quanto mais, mais alto avaliamos as realizações aprendidas de Freud até agora – de como os métodos são confusos com os quais a aprendizagem burguesa – nesse caso, a psicologia – opera. Ele ilustra como a psicologia burguesa nega os mais simples e básicos fatos da história para conseguir chegar a “interessantes” e “profundas” teorias por meio de generalizações de fenômenos superficiais ou até mesmo “fatos espirituais” puramente inventados e imaginados. Tal aprendizado é incapaz até mesmo do desenvolvimento puramente acadêmico, pois permanecerá irremediavelmente preso no círculo de pseudoproblemas para o qual tais falsas proposições dão origem até que se perceba o caráter social, governado por classes, de seus erros. Contudo, o menor sinal disso pode ser visto em qualquer disciplina burguesa e, quanto menos, mais seus problemas afetam as questões atuais. Toda a “profundidade” da exposição, em contraste com a “uniformidade dogmática” do materialismo histórico, apenas favorece as tentativas de se cobrir um véu sobre esse estado de coisas – tentativas, é claro, que são, em muitos casos inconscientes. Mas, por essa mesma razão, é de vital importância, em cada caso, deixar bem claro não apenas o erro em si, mas também seus fundamentos sociais.