Por Felipe Lustosa - graduado em História e em Filosofia pela UFF.
Em
1860 a categoria conhecida como Modo de Produção Asiático encarregou-se de
explicar as formações societárias pré-capitalistas que não possuíssem as
matrizes greco-romanas. No século vindouro, os Marxistas tentariam encaixá-lo
de forma bruta, grosseira, sem lapidação - e refinamento- (tal como Marx
elaborara) para o caso americano e pré-colonial.
Era
normal e completamente natural que Marx tivesse feito isso no século XIX,
colocando os Peruanos, Mexicanos, Hindus, Babilônicos, Núbios, Egípcios, alguns
Micênicos, Khmers, Chineses e etc. No mesmo batel e analisando de forma
homogênea seus complexos societários e palacianos, as formas de tributação,
formas de governo (quase todas teocráticas), formas de propriedade da terra, a
conformação da acumulação originária e das classes sociais nestas civilizações
templárias e etc.
A
antropologia destes tempos pintaria os asiáticos como uma aglomeração
societária pagã e exótica, fixa no devir (tal como entes inamovíveis), por
serem subproduto da subsunção real das comunidades aldeãs e agrícolas aos
complexos templários, tributários e às autocracias despóticas, enquanto os
outros inúmeros povos e etnias -os quais não se conformaram e organizaram
em cidades-estados-, eram vistos como frátrias equestres e bárbaras oriundas das
estepes, residentes em uma cabana de peles de nome yurt.
Estes estavam reduzidos a povos nômades, divididos entre o pastoreio de
nomadismo, a razia, o banditismo, enquanto outros, menos coléricos, preferiam a
vida aldeã, sedentária e adaptada à agricultura simples de subsistência, i.e, e
à vida na comuna agrícola, pagando certa quantia de excedente produção como
tributo às civilizações palacianas, já assentadas por milênios, sobre a égide
de impérios palacianos e dinásticos.
Criou-se
então um consenso, de que estas formas civilizacionais afro-asiáticas estariam
perplexas diante do avanço tecnológico -e das forças produtivas- e o
consequente choque com os países ocidentais, a superioridade bélica emanada dos
civilizados europeus fariam os modos de produção bárbaros e os asiáticos (em
voga em nações palacianas) desmoronarem.
A
Arqueologia da segunda metade do século XIX, era por sua vez, obra de amadores,
de estudiosos sem qualificação e de salteadores de túmulos, estavam eles
alinhados quase sempre ao avanço do imperialismo, a auri sacra fames [1] e
à ganância: estes "estudiosos" ingressavam nas fileiras de grandes
expedições (como as montadas por Napoleão), compondo parte do corpo
expedicionário destinado às conquistas ou a pacificação das províncias da Ásia
e África.
A fim
de aprenderem mais sobre a cultura exótica e povoados idílicos -e em meio aos
saques, pois alguns não passaram de bandidos-, destruíram uma vez mais as
ruínas com as quais se deparavam, muitos arqueólogos amadores acabaram por
arruinar artefatos, destroçar múmias, pulverizar cultura material e desmembrar
complexos cerimoniais inteiros, tal como o “decapitamento” das pirâmides
Núbias -engendrado por Ferlini, em 1834- onde utilizando-se de
dinamites as explodiu, em um ínterim onde acreditava-se cegamente que seus
topos "continham uma quantidade significativa de ouro núbio".
Poderíamos
citar o esquartejando de múmias e o "transplante de monumento em
pedaços", os quais eram exportados para os países de origem de seus
depredadores -os quais a essa altura erguiam grandes museus. Caso emblemático é
o que fora feito com múmia de Tutancâmon -por Howard Carter, esta múmia foi
completamente despedaçada e desmembrada, pois os britânicos almejavam colocar
suas garras em suas relíquias de ouro, como a máscara de ouro e os 150 amuletos
internos, os quais estavam ocultos sob as bandagens e os remanescentes da
carcaça do faraó menino, mumificado.
Não
parariam por aí: fizeram o mesmo com os complexos templários e palacianos de
Luxor, Karnak, Abul-Simbel e Etc -os quais tiveram dezenas de partes serradas e
arrancadas brutalmente com cinzeis de corte e trabalho escravo, desfalcando os
complexos palacianos e templários norte-africanos, amputando partes de
esfinges, de estátuas e extraindo obeliscos inteiros, os quais foram
"misteriosamente" ressurgir, tempos mais tarde, do Louvre, aos museus
britânicos, belgas e holandeses, sobretudo, durante o início do século XX, em
época de imperialismo e da arqui-documentada Partilha Afro-asiática.
Mesmo
os avanços tímidos da arqueologia do século XIX, fora algo dado à reboque de
métodos tremendamente grosseiros, positivistas e eurocêntricos: a etno-história
não existia e nem a análise linguística, que era um trabalho incipiente feita
por curiosos, auto-didatas e eruditos dedicados -tal como o trabalho grandioso,
do egiptólogo de campo de Napoleão chamado de Champollion, ingressado nas
campanhas francesas -durante a anexação do Egito (1798 -1801)-, onde
empenhou-se por decifrar partes da escrita pictográfica egípcia (os hieróglifos
da Pedra de Roseta), tendo por base o Grego do período Ptolomaico.
Os complexos palacianos mesoameríndos, em América, estavam tomados pela selva: o complexo cerimonial de Teotihuacán fora confundido "com um vulcão" inativo, suas plazas eram selva densa; Tula (a cidade Tolteca) estava tomada por samambaias; e se tratando de Andes, não sonhava-se com os templos de adobe como o complexo sacrificial da grandiosa Huaca de La Luna, como a cidade Chimu de Chan-Chan, nem com as riquezas da Tumba do Senhor de Sipán -a qual encontrava-se oculta nos veios subterrâneos da terra...Machu Picchu, por sua vez, ainda era um rumor e o que se sabia da história de outros povos, que não os Romanos e Gregos, era algo povoado por sortilégios, como as explicações acerca da construção das pirâmides do Egito e dos zigurates do Crescente Fértil, ensaiava-se uma história da Ásia, tendo por base a China -saqueada inúmeras vezes pelos bárbaros das estepes, como os mongóis, tártaros, espécies de hunos vermelhos e os manchus-, a qual, agora, tinha a sua "segunda chance" para se civilizar, se modernizando e se adequando à acumulação capitalista e à circulação otimizada de mercadorias (ocidental), por intermédio de seus portos (em Cantão) abertos pacificamente a tiros de canhões e entorpecidos de ópio, pelos civilizados vitorianos. É de Marx a alegação que frisa:
"A amputação de narizes, peitos etc.; em uma palavra, as horríveis mutilações que cometem os cipayos [e que escandalizavam a puritana opinião pública pacificamente instalada no solo inglês europeu] são, por suposto, mais repulsivas para os sentimentos europeus que o bombardeio de moradias em Cantão ordenadas por um secretário da Sociedade da Paz de Manchester [o liberal John Bowring que em 1856 ordenara um bárbaro bombardeio em Cantão] ou que queimar vivos a árabes encerrados em uma cova como faz um mariscal francês...ou qualquer outro dos métodos 'filantrópicos' que se empregam nas colônias penais britânicas ." (A Dominação Britânica em Índia)
Sabia-se
algo, é verdade, sobre a Índia -que já tinha o chá, as especiarias e o algodão
explorados pelo pelo monopólio britânico da Companhia das Índias Orientais já
há pelo menos meio século; o Modo de Produção e sócio-reprodução das
civilizações da América se assemelhavam à "Forma Asiática"
(sobretudo, na cobrança de tributos, nas formas de propriedade da terra,
divididas em palaciana, nobiliárquica e coletiva, nas formas de despotismo, nas
obras hidráulicas e no vínculo do complexo templário com o urbanístico). Mas a
forma americana precisa de ajustes, de um "outro nome", afirmamos,
neste breve artigo, que a descrição acerca de um Modo de Produção, precisa
compreender e adstringir os elementos peculiares de cada localidade, de cada
cultura e de cada formação societária.
Tal
como o capitalismo segue o itinerário do desenvolvimento desigual e
combinado, precedendo de formas peculiares e transitórias em sua fundamentação
ontológica: a Via Colonial de conformação do capitalismo não é a Via Prussiana,
tal como a Via Russa (descrita por Lênin) não é a Via Americana e esta,
por sua vez, não é também a Via Clássica: atinge-se o modo de produção
capitalista por formas de sócio-reprodução ontologicamente distintas. O Modo de
Produção Asiático -que precedeu o capitalista, em partes da Asia e em América-
serviu, -nos Grundrisse de Marx-, para explicar tanto Peru, quanto o
México, i.e, tal como a ontogênese da acumulação primitiva e das sociedades de
classes no novo mundo, degringolada antes da chegada dos espanhóis; mas tal
categoria permeada por imprecisões civilizacionais, organizacionais e
culturais, precisa ser lapidada, revista, ajustada e superada (no caso destas
formas societárias americana pré-hispânicas), isto significa aventas, que
precisa ser suprassumida, sobretudo, no caso destas formações societárias
descritas e dos complexos templários americanos, em épocas pré-capitalistas.
É uma lástima ficarmos - enquanto comunistas e continuadores de Marx - tratando Astecas, Taínos, Cahokias, Pueblos, Iroquóis, Mochicas, Incas, Olmecas, Chibchas, Nazcas, Maias e Etc, como se fossem Indianos, Tailandeses ou Chineses, ignorando os elementos específicos destas formações societárias e de seus complexos palacianos, reduzindo tudo à formação macroeconômica, ancorada nos tributos e nas obras hidráulicas. Nas raias do marxismo contemporâneo, isto soa como algo anti-ontológico... Nas da história, como historiador, afirmo sem medo de errar, que é algo completamente insuficiente, grosseiro, incorreto, anti-dialético, anacrônico e a-histórico.
Marx, em seu tempo, não possuía os elementos necessários e nem as ferramentas para refinar e precisar sua análise, incorrendo em algumas imprecisões de tempo e erros de época, fazendo algumas generalizações que não afetavam a qualidade de sua análise macroeconômica e mesmo sob estas circunstâncias, fez ótimo trabalho. Mas como seu discípulo, afirmo que é tarefa de todo comunista, dar precisão histórica, ontológica e arqueológica a aquilo aventado por Marx, corrigindo-o onde necessário e aprimorando suas elucubrações e contribuições, que não devem ser um dogma, mas uma ferramenta crítica e histórica para analisar o desenvolvimento material do homem e das forças produtivas, no devir.
[1] - "a
febre maldita de ouro".
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