Traduzido por Wesley Sousa
Publicado originalmente no site Philosophy Now
por Raymond Boisvert
professor emérito de Filosofia na Siena College Loudonville, NY.
Tem
vários nomes [o que argumento aqui]: “individualismo liberal” é tão bom quanto qualquer outro. A
teoria é bem simples de entender: o fato básico da existência é “eu sou”, então
o “eu” é a unidade básica da “ética”, sobrepondo quaisquer reinvindicações da
sociedade. O “eu” busca, acima de tudo, alcançar o prazer e evitar a dor
[pressuposto do utilitarismo]. As orientações culturais e éticas que
estabelecem padrões de aspirações além do simples prazer e dor são vistas como
nada mais que restrições às liberdades deste “eu” [abstrato].
Entretanto,
por assumirem vários significados, os rótulos podem ser enganadores. Nos U.S,
as pessoas que mais vivem lá tendem a identificar-se como “conservadoras”. O
que ele “conservam” [anacronicamente] é o liberalismo do século XIX. Sua
sacerdotisa é Ayn Rand, cuja derrubada dos sistemas morais tradicionais é bem
identificada por seu apropriadamente livro “A virtude do egoísmo”
(1964).
Há
sinais de que o individualismo liberal tenha tomado centro do palanque,
deslocando moralidades antigas? A reposta é “sim”. E ainda dou três
indicadores proeminentes. Estes [indicadores] vêm dos U.S, mas espero que
eles ressoarão com outras pessoas pelo globo.
Exemplo
1:
em “Uma visão de cima” (1991), o livro de recordações e observações da
estrela do Basquetebol, Wilt Chamberlain, ele afirmou que fez sexo com mais de
20 mil mulheres. Mesmo se o número for um exagero, por que alguém gostaria de
destacar tal atividade? O que, noutras palavras, justifica o tipo de
priorização moral que 1) incentiva esse comportamento e 2) com que se queira
celebrá-lo? A reposta: o individualismo liberal e seu afastamento de uma
atitude ética que reconhece outras pessoas como pessoas, não como meio para o
próprio prazer. Pensar nos outros como pessoas valorizam as qualidades
sobre a quantidade de relações como uma referência do que é bom. Com
Chamberlain, encontramos um enlace completo da ética quantitativa promovida
pelo individualismo liberal: “Eu estava apenas fazendo o que era natural –
perseguindo senhoras de boa aparência, quem quer que fossem e onde quer que
estivessem”.
Exemplo
2:
Vencer não é tudo, é a única coisa. Os lábios servem para repetir não
que não é “se” você ganha ou perde, como você joga o jogo, mas é a prática, a
prioridade mais recente dominada. Não importam as regras, costumes e as
práticas tradicionais; tudo o que conta é o resultado final. É uma perspectiva
que não estabelece limites para que meios são usados para alcançar o fim.
Elimina-se todos os valores, exceto a liberdade definida como a licença para
“fazer o que for preciso” [pragmatismo]. Transforma-se o pensamento em mero
estratégia instrumental. Alguns resquícios de preceitos culturais mais
compreensíveis podem permanecer, mas a decadência, o rasgar do tecido antigo,
está em processo. Muitas vezes, isso é feito de forma sub-reptícia, com
abundância de duas faces do autoengano. Aqui Ayn Rand oferecer um melhor
modelo. Ele estava consciente das implicações de sua posição ética, consistindo
em articulá-las, proclamando abertamente a derrocada da moralidade tradicional
e das visões de mundo religiosas que davam suporte. Sua mensagem honesta era:
não se engane, não pregue de um jeito e viva de outro. Seja coerente –
abrace o egoísmo como uma virtude.
Exemplo
3:
Paixão Black Friday. Todos vemos a cobertura da mídia: enormes multidões
de pessoas correndo para as lojas para as vendas pré-Natal, então debandada é a
multidão que, às vezes, indivíduos pisados, feridos, até mesmo mortos. O Evangelho
de Mateus é claro aqui: “não podeis servir a Deus e a Mamon” (6:24). Isso foi
escrito há muito tempo atrás, mas ainda “Mamon” – ídolo associado com a riqueza
– permanece atraente. Por que? Sua adoração é autoajuda. Oferece uma
compreensão fácil, entendimento egocêntrico da vida boa estando cercada de
possessões. Suas prioridades éticas são claras. O sinal de sucesso é fácil.
Adicione aí publicidade à mistura e o frenesi da Black Friday é previsível.
“Decadência”
é um termo de julgamento. Indica que, não basta comportamento, mas panoramas
éticos de referências moveram de melhor para pior [no capitalismo tardio]. Um
marcador subjacente de decaimento, evidente em todos os três exemplos, é a
eliminação do equilíbrio. O excesso, com Aristóteles bem compreendia, era uma
atitude destruidora de virtudes. Os seres humanos evidenciam uma multiplicidade
de inclinações e disposições. O movimento do agrupamento inicial de inclinações
para modos endossados de ações pode assumir várias formas. Dois modos
proeminentes são o caminho imperialista e o caminho do artista. A atitude
imperialista assume injustificadamente uma disposição única,
excluindo o restante. O artista, aceitando a multiplicidade, procura o melhor
arranjo – o melhor equilíbrio – dos elementos.
Meus
três exemplos caem dentro do campo imperialista [moral e ideologicamente], de
mente única [moralidade]. Para Chamberlain, a gratificação sexual é o objetivo
principal; amor, preocupação com os outros, compromisso, não faz parte do
caminho. Para “quem ganha é tudo”, o foco é a “vitória”, exclusiva. Esse foco
ignora o “jogo limpo”, honra, integridade e o respeito. Para o grupo da “Black
Friday”, os múltiplos marcadores da “boa vida” – bondade, compaixão, gratidão e
justiça, não mencionam as virtudes associadas com o espírito de celebração de
Natal – são marginalizadas pelo imperialismo da posse na medida que toma o centro
das atenções.
Em
outros termos, meus exemplos indicam que um paradigma ético particular [individualismo
liberal] se tornou dominante, mesmo um todo abrangente.
Algumas
recuperações filosóficas e seu contrapeso permanecem possíveis. Em primeiro lugar,
a reivindicação liberal originária do “eu sou” é apenas uma parte da verdade.
Seguindo o ditado que “uma meia verdade é uma mentira”, verdades parciais devem
levantar suspeitas: a verdade mais completa está no “que somos”; e numa era de
consciência ecológica, isto engloba mais do que outras pessoas: inclui também
os ecossistemas atuais nos quais e pelos quais sobreviemos.
Segundo,
é que nós seres humanos apresentamos muitas inclinações, não apenas em buscar o
prazer e evitar a dor. Atender a todo conjunto de desideratos e reconhecer que
algumas inclinações são melhores, algumas outras piores, permite que o egoísmo
seja equilibrado com outras disposições [morais]. Sem esse contrabalanceamento,
o prefixo “eu” fica hiperinflacionado: “eu-interessado” [interesse próprio],
egocentrismo, [indivíduo] autocentrado, e depois toma, não apenas o centro do
palco, mas todo ele.
É
assim que a decadência cultural aparece. Isso está ao nosso redor, se nós ainda
dermos atenção.